Geração Audiovisual x Geração Virtual
A cada dia que passa eu entendo mais por que as coisas não dão certo do que o contrário. Saiu uma pesquisa informando o que todo mundo já sabia a respeito do comportamento dos jovens em relação ao uso da internet. Ela traz a necessidade de rever nossos conceitos sobre os relacionamentos entre pais e filhos e, entre as duas gerações que vivem em dois mundos diferentes. Ouvir e entender tem dois significados quando a gente trabalha com futuras gerações ou quando de lançamentos de produtos.
Ouvir todos ouvem, principalmente se os ouvidos estão liberados (já que a audição é o menos seletivo dos cinco sentidos). Mas entender já é outra coisa e é aqui que começa tudo a dar errado.
Uma pesquisa feita pelo Ibope com 390 jovens internautas de 15 a 19 anos de idade mostra que, depois da escola, o que eles mais fazem é usar o computador-em média, mais de quatro horas por dia.
De acordo com a pesquisa, os jovens passam, por dia, 4h36m no computador e 2h54m fazendo a lição de casa. Música e televisão vêm em seguida, com 2h30m e 2h12m, respectivamente. No final da lista estão as atividades físicas (1h48m) e leituras fora do computador (1h42m). Um dia cheio, não?
O interessante é que o debate foi sobre os perigos da internet, a saúde intelectual e psicológica dos filhos etc. Mas não ouvi ninguém dizer que tais dados também ajudam a orientar várias ações de mercado e sobre como lidar com duas gerações que parecem nada ter a ver uma com a outra.
Em outra pesquisa descobriu-se que os mais velhos passam cerca de 8 horas na frente da televisão. Os dois dados são absolutamente diferentes e mostram o perfil de duas gerações. A mais velha como uma geração audiovisual e a mais jovem como a geração virtual.
Pesquisa da Nielsen descobriu outro fato interessante. Entre as audiências mais jovens, existem alguns fortes indicadores de que a web está afetando o uso de mídia. Os dados demonstram que as pessoas entre os 18 e os 24 anos, em geral estudantes universitários e pessoas que acabam de ingressar na força de trabalho – são as que menos assistem TV (210 minutos diários), dedicam mais tempo a mensagens de texto (29 minutos) e assistem mais vídeos online (5,5 minutos).
Os usuários um pouco mais velhos, com idade dos 25 aos 34 anos, passam mais tempo assistindo a vídeos em DVD ou gravados digitalmente. As pessoas dos 35 aos 44 anos dedicam mais tempo à web do que os demais grupos, com 74 minutos diários em média. A próxima faixa etária, dos 45 aos 54 anos, dedica mais tempo ao e-mail. Os consumidores de mais de 65 anos assistem mais TV, de acordo com a pesquisa.
O estudo constatou que televisão e videogames atraem atenção mais concentrada, enquanto outras atividades (como ouvir música) muitas vezes acontecem enquanto as pessoas fazem outras coisas.
Na maioria das respostas a este quesito, grande parte das pessoas mente, pois não querem que saibam que assistem televisão por tempo demais e muito menos novela. Quando algumas pessoas foram convidadas a estimar quanto tempo dedicavam a assistir TV a cada dia, disseram “pouco mais de duas horas”, mas na pesquisa o resultado foi outro: “cinco ou seis horas”. É igual a pesquisa feita sobre o consumo de mortadela. Todo mundo come e compra, mas poucos admitem isso.
Para quem pretende despejar dinheiro em publicidade, a internet e os sites de relacionamento e de discussão, como o Fórum PCs, são o melhor caminho para acertar o alvo. Juntando isso ao fato de que a maioria das pessoas acessa a internet via lanhouses está definido qual é o melhor meio para veicular a propaganda. Para os mais velhos o melhor caminho é mesmo a velha TV. Mas há uma outra leitura que parece não ter sido feita e que para mim é mais importante.
Focar o resultado desta pesquisa no cuidado que os pais têm que ter com o tempo que seus filhos ficam na web é sublimar o ponto mais importante destes estudos.
Outra leitura aponta que os pais estão cada vez mais distantes de seus filhos neste quesito. Só que ninguém falou disso com profundidade e nem abordou as diferenças notórias que existem entre estas duas gerações que muda inclusive a forma de fazer propaganda e de ser pai e mãe.
Imaginem a seguinte rotina diária: Os filhos depois da escola, após o almoço (que leva mais ou menos 1 hora no máximo) vão realizar as suas tarefas escolares em cerca de 2 horas. Depois disso mergulham na web e passam 4 horas e meia navegando. Se você fizer as contas vai descobrir que às 19 horas e 30 minutos os acessos devem estar se encerrando e é justamente neste horário que a maioria dos pais está chegando em casa. Em casa, os pais, depois de um banho e do jantar vão gastar o restante do tempo com a TV e lá pela meia-noite estarão se recolhendo para dormir.
Onde fica o tempo para conviver em família ou para saber dos filhos?
Por isso é que muitas crianças e jovens afirmam em seus scraps que “o mundo real é menos interessante que o virtual”. E deve ser mesmo! Falta contato e aqui está o maior problema entre as duas gerações. Tais números mostram como as relações familiares estão se desenhando e o que podemos esperar delas no futuro.
Como tudo no mundo precisa de um culpado para transferir as nossas responsabilidades e aliviar a pressão, fica mais fácil culpar a web pelos problemas de relacionamento entre pais e filhos. Mas a culpa-quero deixar bem claro-é dos pais.São eles que precisam olhar mais seus filhos e entender este novo mundo, recheado de sensações percebidas de forma mais intensa e à maneira dos jovens, mas preferem mergulhar na TV ou em outros afazeres. Por isso, a grande maioria dos pais se diz surpresa quando descobre que seus filhos foram presos por estarem envolvidos em brigas de rua marcadas pela web ou quando um filho é vítima de uma armadilha chamada pedofilia ou abuso sexual; cyberbulling e na pior das hipóteses o suicídio, pois esta á família que o jovem adotou (já que em casa, a maioria deles são meros freqüentadores).
A palavra não é fiscalizar e nem controlar. Muito menos seria censurar. A melhor ação é mesmo ouvir e entender para depois poder participar.
O conflito de gerações sempre existiu e sempre vai existir, pois faz parte da evolução. O que poucas pessoas percebem é a velocidade que as coisas andam. Dois grupos completamente distintos (pais e filhos) precisam encontrar um ponto de intersecção para continuar dialogando ou para começar a fazer isso.
Há uns 20 e poucos anos, quando a internet não existia, as festinhas (ou as velhas tertúlias-é o novo!) faziam a cabeça da garotada. Muitos pais iam deixar seus filhos à porta das casas ou dos clubes e a maioria dos jovens detestava que parassem o carro na porta. Queriam chegar andando e sozinhos. Outros desciam antes por que o carro do pai era um fusca, enfim, o jovem não gostava também de beijinhos e abraços e de manifestações de carinho dos pais. Parecia brega.
Eu confesso que quando a minha linda Lara foi a sua primeira excursão com a sua turminha da escola eu aprontei uma. O grupo iria de ônibus para Nova Jerusalém, em Pernambuco, assistir a Paixão de Cristo. Tudo muito organizado por gente experiente. Na hora da despedida os meninos simplesmente desapareceram e se enfiaram no ônibus a tagarelar com grande euforia, afinal era a primeira viagem deles sem os pais. De fora não podíamos dar um adeus e nem passar as últimas recomendações paternas ou maternas, pois os vidros eram escuros. Um tio virou para mim e disse que as crianças não gostam de muito agarrado. “Elas têm vergonha dos amigos”. Ai eu pensei comigo: – “Por que?” Enquanto eu pensava vi o tio falando com eles com um megafone e tive uma idéia. Peguei o megafone emprestado e entrei no ônibus. Minha linda Lara estava lá atrás e quando me viu se escondeu com medo de pagar o velho mico. Mas como bom motociclista e um permanente cidadão curioso e inconformado com as coisas do mundo, da turma do “é nóis! Nóis capota, mas num breka!”, não tive dúvidas: apertei o botão e disse em alto e bom som o quanto eu a amava e o quanto ela era importante na minha vida e que se cuidasse. A perplexidade dos outros amigos dela foi enorme. Ela desapareceu de vergonha, mas os amigos-para minha surpresa-aplaudiram e em coro gritaram-“beija, beija, beija!” Ganhei um gostoso abraço e um “eu te amo, painho” bem baixinho, só para eu ouvir. Confesso que além da emoção me veio o alívio, pois esperava uma vaia coletiva.
Depois disso acabei ficando conhecido dos garotos como um “pai descolado” e fui batizado como o Pai da Lara” e logo vinha a história da maluquice que eu havia feito. Sem querer eu descobri uma forma também de me relacionar com ela no mundo virtual quando escrevi sobre pedofilia. Eu sugeri (eu disse sugeri) que ela lesse o artigo. Ela leu e ficou impressionada. Logo depois estava ela no computador recomendando o texto e o tema aos amigos via Messenger. Os amigos leram e debateram sobre o tema sem nenhuma interferência minha que não fosse solicitada por ela. Em outro texto, sobre o cyberbulling, fiz a mesma coisa e depois disso ela passou e ler o material. Descobri que em vez do sermão-fora de moda-o melhor seria estimular através da internet o debate; sair do meu mundo para o mundo deles e, deu certo. Eu aprendi que só falava sobre o tema se fosse convidado e falava para ela, que falava para os seus amigos e assim acabei ficando conhecido pela galera dela como o Pai da Lara que escreve uns artigos maneiros ou o “Pai da Lara é uma figura”.
O caminho que eu encontrei, por acaso, não é receita única para estabelecer esta conexão, mas é um dos caminhos que podemos utilizar para influir de maneira saudável.
Se as crianças estão indo bem na escola, têm bons amigos e você consegue conversar com eles, não há por que estar permanentemente preocupado. Um sempre alerta já basta. A sua maior preocupação como pai ou mãe é cuidar para que este relacionamento esteja saudável; assim ocorre o estímulo sem exercer a pressão que acaba por gerar o fazer-escondido.
Por isso, tais pesquisas precisam de uma interpretação mais profunda e de várias leituras até que se tire daqueles dados uma informação que possa melhorar as nossas vidas.
Como eu disse no início deste texto-é escutar e entender. Necessariamente nesta ordem. Os pais precisam descobrir, escutar e entender por que é tão bom estar na web e/ou por que não é tão bom estar com eles. Se conseguirem entender já terão dado um grande passo para novas descobertas.