Nordeste: O motocross é a nova vaquejada?
Meio-dia. Sertão Central do Ceará. Cidade de Quixelô. 42 graus de calor à sombra açoitando sem dó nem piedade um chão vermelho de terra seca e pedregosa. Cenário perfeito para a tradicional pega do boi, que no Nordeste precedeu a tradição da vaquejada.
Se você pensa que eu estou falando de Vida e Morte Severina ou do cenário de Lampião e Maria Bonita ou de algum filme sobre vaqueiros e vaquejadas, está enganado. No meio deste cenário um som semelhante a uma invasão de milhares de mosquitos corta o sol na forma de silhuetas e quebra a aridez desse cenário cujo um novo tempo chegou trazendo homens vestidos com botas, capacetes, luvas, caneleiras e cotoveleiras transformando-se no mais novo arquétipo do vaqueiro do sertão: o motociclista de Motocross.
A febre do MotoCross, que nasceu na Bélgica, ganhou o mundo e está fazendo sucesso no Sertão Central do Ceará vem desbancando a vaquejada e atraindo milhares de pessoas para assistir as provas que se realizam a cada 15 dias.
Fazenda Mundo Novo, Quixelô, Ceará, distante cerca de 320 km de Fortaleza. Bem no meio do Sertão Central do Ceará aconteceu o 1º. Supercross. Gente de todos os lugares da região chegava rebocando suas motos para uma corrida que ainda iria começar.
O paddock ou corredor de tendas
Enquanto os pilotos chegavam, na maioria mecânico, a fazenda Mundo Novo convivia duas situações completamente distintas. De um lado o pessoal no paddock (que aqui chamam de corredor das tendas) ajustando motos e pilotos na pista aquecendo para as primeiras baterias. No meio dessa confusão de motos de várias cilindradas rodando e saltando estava o pessoal responsável, digamos, por, literalmente, baixar a poeira aguando a terra repetidamente num misto de lama e pó.
A infraestrutura tinha ambulância, mas a habilidade dos pilotos gera outro fato interessante: Não existem acidentes graves, no máximo pequenos arranhões que em poucos dias desaparecem. Aqui acontece um fato que contradiz com as estatísticas de mortes por acidentes com motos: mesmo correndo, saltando, pulando, mesmo em motos adaptadas ninguém morre ou sai gravemente ferido, pois são pilotos preparados e equipados. Essa preparação faz toda a diferença entre ser perigoso pilotar uma moto e ser divertido andar de moto.
A platéia e o gato ‘Xinim’!
Do outro lado estava o pessoal que veio para assistir a corrida. Não precisa dizer que a cerveja, conhaque, cachaça e o forró rolavam soltos. Se você estava no paddock não sofria com o som alto, pois estava contra o vento (que raramente aparecia para dar a graça do ar – escrito assim mesmo). Foi quando eu tive a péssima ideia de ir buscar uma água e perceber o inferno que havia se transformado a área de platéia.
Tinha três paredões de som, cada um tocando um forró diferente a em um volume praticamente insuportável a ponto de ter que quase gritar com o pessoal da barraca para que pudessem entender que eu queria apenas água. Claro, alem do barulho, a moça deve ter estranhado o meu pedido, haja vista o que a maioria andava bebendo.
Para piorar ainda mais a situação, enquanto aguardava a água, além do calor extremo, tive que ouvir uma música de forró que falava da saga de um dono de um gato que sumiu e que se chamava ‘Xinim’. Ou seja: o Gato ‘Xinim’ desapareceu da casa do cara e ele passava o tempo perguntando ao povo ‘- Onde estava Xinim?’ Eu não consegui descobrir o fim da estória de Xinim por que sai antes da música acabar, mas a platéia cantava e coro “onde está meu Xinim?”. Na segunda vez que fui buscar água me deparei com outra música de refrão fálico onde a ‘mocinha’ tinha proposto ao cara que ele passasse leite condensado na barriga dela e depois ela PUXAVA e ele LAMBIA. Bom, gente, não precisa dizer que quando acelerava o refrão a gente ouvia outra coisa que eu não ouso escrever aqui.
Nada de blues e rock. Aliás, quem estava ficando blues de tanto sol era eu. Mas enquanto não achavam ‘Xinim, o gato’, voltemos para a corrida.
A categoria CG – motos Frankenstein
Eram três categorias. Nossa equipe iria correr na Força Livre. Antes teríamos a iniciante com motos de até 200 cilindradas e a categoria CG. Essa foi a que me chamou mais a atenção. Por ser a categoria mais disputada teve duas baterias classificatórias e a final. O cenário era de outro mundo, muito parecido com o do Filme Mad Max. As motos dessa categoria são adaptadas, reformadas, mexidas, remendadas, transplantadas enfim, estilo Frankenstein (quem sabe, talvez tenha sido por isso que Xinim, o gato; fugiu de casa).
O mais interessante é que elas andavam muito para uma CG, mas melhor foi mesmo ver os pilotos domando esses monstros adaptados numa mistura de criatividade, ousadia e muita coragem. A maioria dos pilotos de MotoCross na região é formada por mecânicos e na falta de condições financeiras para adquirir uma moto de competição eles fazem as suas próprias máquinas.
Uma mistura diferente…
Esses eventos, ainda carentes de boa organização, estão se multiplicando e com ele o número de pessoas. É Motocross com forró e pagode, uma receita um tanto estranha e esquisita, mas que aqui funciona muito bem e é sucesso de público.
Algumas coisas são muito engraçadas como tudo o que se refere ao nordeste. Numa dessas baterias o locutor começou a enaltecer as oficinas que haviam preparado as motos que estavam na frente, mas algumas dessas motos quebravam e começavam a serem ultrapassadas. Ele, empolgado, dizia: ”- Fulano preparou sua moto na Tal Motos… Veja galera…. A moto do fulano está quebrando… Vai parando e perdendo posições… Ele preparou essa moto na Tal Motos.. mas está parando, a moto está com dificuldades…!” Não precisa dizer que esse é uma ótima forma de acabar com a clientela da Tal Motos, não acha?
Uma coisa é certa. Depois que as quatro patas foram substituídas por duas rodas e que estas conquistaram o nordeste, a vaquejada começa a ficar em segundo plano. Além dos custos que são muito superiores para participar de corridas como essas, a vaquejada precisa de pelo menos três dias para se realizar – é quase como um carnaval rural. Já o Motocross é um evento que pode acontecer pela manhã e depois você e sua moto voltam pra casa.
Os tempos realmente estão mudando e novas tradições começam a ocupar seu espaço. A vaquejada nunca vai deixar de existir por que é uma tradição que nunca morre aqui. A geração desses homens maravilhosos e suas máquinas criativas e maravilhosas chegou para ficar e a tendência é que com o tempo se profissionalize e seja ainda mais emocionante.
O tempo da pega do boi no mato como diversão de amigos e vizinhos nos fins de semana passou. A vaquejada hoje acontece em menos lugares que antigamente, mas o espírito do vaqueiro trocou de armadura, modernizou o cavalo e inaugurou um novo tempo que eu vi sendo gestado na fazenda Novo Mundo em Quixelô, Sertão Central do Ceará.