JAN MESSIAS – Meditação Sobre Duas Rodas
Meditação Sobre Duas Rodas
A busca dos incontros improváveis, do inesperado depois da curva, do novo depois do horizonte, para arejar os olhos e as idéias, começa não só no parto, mas também partida. |
O sol ainda não se mostra por completo sobre a linha do horizonte, mas as luvas já estão postas, porque a viagem é longa. O dia à frente é cheio de tempo e espaço para ser percorrido.
Sobre a moto, partida dada, com motor ainda em baixos giros, é possível pensar.
As trilhas desconhecidas, a sombra das árvores alheias, a beleza dos novos horizontes se escondendo atrás de linhas trêmulas. |
Sim, estar sobre a moto, viajando, vendo o tempo ser medido no odômetro, mais pelos quilômetros que pelos minutos, é uma forma de meditar.
Pelas curvas e estradas estão os motivos de sair sobre as duas rodas. |
Sobre a moto, o som do motor vai sendo esquecido, vai se tornando comum ao ponto de deixar de ser notado. O tato das mãos, mesmo que protegidas por luvas, vai se estendendo. O real motoqueiro consegue sentir o chão sobre o qual corre em sua moto. É um centaturo mecânico, que sente os impactos que os amortecedores vão tentando diminuir.
O convite das trilhas novas, das curvas , do céu. |
Depois dos primeiros quilômetros, com o lar, a cidade talvez já tendo ficado para trás, com o horizonte e futuro à frete é possível pensar. Da mesma forma que o tal Centauro corre pelas florestas escuras naturalmente, o motoqueiro percorre as estradas em sua meditação silenciosa, atento ao caminho, porém com o pensamento nas questões que lhe são importantes, em ideias outras.
As duas rodas correm suavemente, em sua pressa discreta descobrindo novas paisagens para os olhos sedentos do motoqueiro, que mesmo em seus pensamentos consegue perceber como ninguém as novas imagens que vão se desdobrando aos seus olhos.
A simbiose, a ligação entre o motoqueiro e seu veículo vai se estendendo e se tornando mais forte na medida em que ele conhece sua máquina. Ela acaba se tornando essa parte do corpo que tem uma força quase que mística sobre ele, a convidá-lo para conhecer o que há além do horizonte trêmulo e distante, a dizer que as respostas para tantas perguntas estão além das serras azuis, ou entre trilhas desconhecidas, ou no descanso da sombra de árvores alheias encontradas em dias de sol, como um abrigo do asfalto quente.
Qual a modura da sua liberdade? |
Sim, sobre a moto é possível meditar, imaginar futuros improváveis e incertos como o horizonte à frente, mas que prometem belezas novas, com sombra e água boa para aliviar o corpo cansado da travessia longa, para dar mais força para levantar e seguir mais uma vez rumo aos novos horizontes.
Por isso, o aventureiro sobre duas rodas é tantas vezes incompreendido, já que essa sensação tão incrível só é possível aos iniciados na estrada, que já entendem seus medos e aprendem mais a cada estrada nova, a cada curva, a cada dia. Não adianta explicar. Só sentir.
E viajar nessa doce meditação, isso sim, é passar da física e da metafísica.
Talvez as respostas estejam além das serras azuis, do horizonte vago. |