A dura guerra contra o roubo de motos. Parte 1
Venho pesquisando há alguns meses para entender e tentar responder a algumas perguntas sobre isso. Por que roubar motos é mais vantajoso do que roubar carros? Qual o destino das motos roubadas? Qual a melhor maneira de se comportar numa situação de roubo de moto? O que fazer para se proteger?
Ao longo dessa série de duas matérias vamos tentar mostrar a vocês um panorama deste que hoje é um mercado que supera em rentabilidade o roubo de celulares e de som de carro.
100 motos roubadas por dia em São PauloIndo direto ao assunto, só em São Paulo são roubadas cerca de 100 motos por dia o que dá uma média de um roubo a cada 15 minutos (Veja aqui matéria feita pelo Jornal da BAND exibida em abril de 2010). Se você juntar o que é roubado no Brasil terá um número duas vezes maior, o que daria uma moto roubada a cada 7,5 minutos. Já a estatística dos carros, pasmem, é de um carro roubado a cada 90 segundos. Fazendo uma comparação básica podemos afirmar que para cada moto roubada teremos cerca de cinco carros roubados. Tal número coloca as motos em segundo lugar entre os veículos mais roubados no Brasil. O pior é que na medida em que cresce o mercado de venda de motos, cresce em proporção ainda maior o de motos roubadas.
Esses números aliados aos índices de acidentes justificam em parte o custo do seguro e o custo com o uso de rastreadores. O custo médio do conserto de uma moto é baixo se compararmos ao de um carro. É possível, sim baratear o seguro. Para aumentar a base segurada uma pequena redução ajudaria. Apesar do risco que realmente existe, falta também um pouco de boa vontade das seguradoras. Quem ganha com isso são as empresas de rastreamento que a cada dia crescem mais. Para citar apenas uma delas, a Car System tem na sua base de clientes cerca de 57.620 clientes ativos que possuem motos e um índice de satisfação, segundo a empresa, de cerca de 93%.
Os números que muitos detestam falar
Mas o debate e os questionamentos não ficam limitados apenas a este ponto e em respeito aos nossosÉ possível, sim baratear o seguro.leitores vamos destilar alguns números sobre os quais não se gosta muito de falar (leia-se, autoridades). Se apenas roubassem a moto, mesmo apesar do prejuízo, a vida estaria preservada. Dos males o menor. Não existem estatísticas precisas, pois o banco de dados relativos à insegurança pública (é este mesmo o nome) não fornece informações dos roubos de motos seguidos de morte ou feridos por ser péssimo para a imagem dos políticos, mas estimativa de uma fonte que pediu para manter sigilo, dão conta de que de cada 10 roubos ou tentativas de roubos de motos, cerca de 5% acabam feridos ou mortos à bala. Em 2007, portanto há três anos, mesmo com todas as reduções de homicídios, aconteceram ainda 47,7 mil assassinatos, o que representou 131 vítimas por dia. Podemos dizer que por estes números vivemos uma guerra no Brasil. Porém o número de assassinatos ainda é inferior ao total de mortos em acidentes de trânsito em todas as formas e circunstâncias, que não apenas motos.
Segundo números do Seguro DPVAT, em 2009, foram pagos 53.052 sinistros de morte, 118.021 de invalidez permanente e 85.399 de despesas com assistência médica, atingindo o total de R$ 1,808 bilhão, além dos desembolsos com os pagamentos das seguintes despesas com sinistros: honorários de regulação, de investigação, de auditoria e advocatícios, que totalizaram R$ 226,2 milhões.
Se são roubadas cerca de 71 mil motos por ano no Brasil e desses, cerca de três mil e quinhentos motociclistas ou acabam feridos ou mortos teremos uma média diária nacional de aproximadamente nove motociclistas feridos ou mortos em assaltos ou em tentativas de assalto, por dia, no Brasil. Outro número merece destaque: Se compararmos com o número de motocicletas vendidas no Brasil por ano (cerca de 1.538.580 unidades, segundo a Abraciclo) com o número de motos roubadas anualmente (71 mil) poderemos prever que quase 5% das motos fabricadas anualmente no Brasil serão roubadas.
O prejuízo decorrente com motos roubadas no Brasil representa cerca de 11% do total arrecadado pelo DPVATTais números justificam, por si só, a aquisição de seguro ou de rastreadores, porém enfatizo: ainda é muito caro. Para finalizar, tomando hipoteticamente, o custo médio de venda de uma moto na casa dos 8 mil reais (incluindo aqui todas as cilindradas) teremos um prejuízo anual de pouco mais de meio bilhão de reais. Se tomarmos como referência o que arrecadou o Seguro DPVAT, no ano de 2009, que foi de R$ 5,409 bilhões, valor correspondente a mais de 42,7 milhões veículos segurados e que abrange todas as categorias de veículos: carros de passeio, motos, táxis, veículos de transporte coletivo, caminhões, camionetas, máquinas de terraplanagem e equipamentos móveis em geral (quando licenciados) podemos afirmar que o prejuízo decorrente com motos roubadas no Brasil representa cerca de 11% do total arrecadado pelo seguro obrigatório.
Precisamos mudar de postura!
Motociclistas lidam com o medo diariamente e toda vez que sobem nas suas máquinas seja a trabalho ou a lazer. Mas é necessária uma mudança de postura tanto de lojistas como de motociclistas. Não espere pelo governo, pois ele pouco pode fazer se a postura de comprar peças sem nota fiscal e sem procedência não mudar. Eu aprendi em marketing que se existe quem queira comprar algo, vai sempre existir alguém que vai atrás de conseguir o que o mercado procura para poder vender a quem está querendo adquirir um bem ou serviço. Isso não é diferente no segmento de motos roubadas. Enquanto existir quem compre sempre existirá o jogo de ‘gato e rato’, com grande vantagem para o rato.
Mas para onde vão as motos roubadas?
A maioria das motos roubadas segue três caminhos possíveis:
Desmanche – São imediatamente desmanchadas e as peças vendidas ou trocadas por droga e armas. A troca de motos por droga acontece principalmente nas regiões de fronteira do Brasil com Paraguay, Bolívia e Venezuela. Nestes lugares as motos também podem ser trocadas por armas. A venda das peças de motos desmanchadas é feita para lojas de interceptação ou para ferros-velhos.
Transplante – As motos são transplantadas integralmente para um novo quadro. Acontece principalmente com motos de maior cilindrada. Neste caso a moto roubada é totalmente desmanchada e as suas peças colocadas em outro quadro. Isso, na maioria das vezes, ocorre quando alguém sofre um acidente de moto e não tem o dinheiro suficiente para consertar, então a melhor forma é roubar outra igual, de mesmo ano e modelo para realizar o transplante. O quadro é jogado fora e a moto nunca mais é encontrada.
Descaso e corrupção de autoridades – As motos são utilizadas em cidades do interior ou locais de restrita circulação. Como não existe fiscalização no interior, principalmente no Nordeste, Norte e uma boa parte do Centro-Oeste, tal situação passa despercebida ou fica ao desleixo. Existem ainda os casos de motos roubadas e transformadas em motos de trilha, sem placa, para poderem ser usadas neste tipo de esporte. Já soube de situações, em São Paulo, onde um grupo de motociclistas offroad foi abordado na trilha e todas as motos e equipamentos foram roubados. Deixaram os caras simplesmente de calças. Em outra situação os chassis são adulterados e a documentação esquentada para que a moto circule sem o menor problema, da mesma forma que uma moto legalizada.
Por que roubar motos é mais vantajoso do que roubar carros?
Uma moto sempre passará despercebida (a não ser que seja uma das bem caras) e em alguns poucosÉ possível comprar a peça roubada da minha moto?minutos pode ser totalmente desmanchada. Um policial que atua no combate a veículos roubados me disse que o tempo decorrido entre o roubo e o desmanche total de uma moto de baixa cilindrada não passa de 40 minutos. Dependendo da organização da quadrilha as peças estarão preparadas e embaladas para poderem chegar ao interceptador em até duas horas desde o momento do roubo. Eu não me contive e fiz uma pergunta absurda: – “É possível, caso eu tenha minha moto roubada, acabar comprando uma peça que era dela?” A resposta foi um seco – “sim”.
Foi o que aconteceu recentemente em Fortaleza e divulgado aqui no Montonline. Segundo reportagem do Diário do Nordeste, um esconderijo usado por ladrões de motocicletas foi descoberto 15/10, por acaso, pelo dono de uma moto que tinha sido ´desmanchada´ ali. No local, funcionava uma oficina de ´fachada´, na Avenida Alberto Craveiro, bairro Dias Macedo. O pintor Francisco Gledson encontrou o local por “ironia do destino”, segundo avaliou. “Minha moto foi tomada de assalto no último fim de semana e hoje (15/10) estava com outra moto, que precisava de conserto no freio. Parei para consertá-la justamente na oficina em que a minha moto estava toda desmontada”, contou.
Apesar disso, as ações contra roubo de motos se intensificam.
10 tipos de veículos mais roubados no Brasil
Mas as ações ocorrem desde 2008. Uma matéria veiculada pela Globo News em 2008 mostra a ação da polícia que resultou na prisão de toda a organização. Prenderam o ladrão, o desmanchador e o lojista.
O bom exemplo que vem do Ceará
A união dos motociclistas do Ceará, que nem foi assim algo tão espalhafatoso, deu grandes resultados. A receita existe e funciona. Vale lembrar que em menos de dois meses uma quadrilha inteira, que operava há um ano em Fortaleza, caiu nas mãos da polícia graças a um trabalho em conjunto de pessoas responsáveis que usam moto em parceria com as polícias.
Oficina de fachada desmontada com ajuda da própria vítima – Foto: Diário do NordesteO caso acima relatado confirma o que me disse o policial. O combate ao mercado negro de peças é muito fácil e depende apenas de fiscalização das receitas estaduais. Mas não acontece na velocidade que deveria e muito menos com a mesma frequência. O pior é que a corrupção ainda estimula mais esse comércio. Se a lei fosse mudada e a venda de peças sem procedência enquadrasse também, quem a fizesse, no crime de suspeita de roubo e interceptação de peças roubadas além de crime fiscal, muito do cenário atual seria mudado. Mas falta iniciativa e aqui os maiores culpados são os motociclistas. Este tipo de projeto de lei é simpático a qualquer causa parlamentar e não vai faltar deputado ou vereador que abrace a causa. Para isso, basta que os motociclistas se unam e lotem às fachadas dos prédios onde funcionam as câmaras legislativas e façam uma entrega oficial da proposta a um deputado que seja sério (existe sim deputado sério, poucos, mas existem) e cobertura da imprensa (tem um monte de jornalista que usa moto). Advogados motociclistas têm aos montes e com certeza nenhum deles se furtaria de ter seu nome associado a uma iniciativa dessas. Seria o que podemos chamar no jargão do direito de uma ‘causa justa’ de interesse público.
Lembrando que entre o dia 15 de outubro e o dia 11 de novembro passou-se apenas um mês e o resultadoVeículos importados estavam na mira de uma quadrilha que vem sendo desarticulada aos poucos pela equipe do 26º DP. Foto: Alana Andrade DN não poderia ser outro. Em nova matéria do Diário do Nordeste uma investigação que vinha sendo realizada por policiais do 26º DP (Edson Queiroz) desde o mês de maio, no sentido de desarticular uma quadrilha que agia no roubo de motocicletas importadas e veículos de luxo, resultou na prisão de mais um envolvido no crime. Segundo noticiado aqui no MO além de Moisés Sousa da Silva, outros dois integrantes da quadrilha já foram identificados e presos pela equipe do 26º DP. O primeiro deles foi Francisco Hélio Chaves do Nascimento Filho. Segundo o delegado Rommel Kerth, que comanda as investigações, “Hélio é o líder da quadrilha”. Ele foi capturado há cerca de 15 dias depois de ter roubado uma moto Honda CBR branca, de 600 cilindradas (encontrada dias depois com peças faltando). Outros dois homens foram detidos no dia 14 de junho. De acordo com o que já foi investigado, a quadrilha costumava agir nos bairros da Aldeota, Meireles, Varjota, Dionísio Torres e Papicu. Outra moto recuperada, uma Honda Fireblade de 1.000 cilindradas era branca e foi pintada de vermelho pela quadrilha. “A placa que está nela é clonada”, destacou o inspetor Victor, do 26º DP. O policial diz que o bando agia há um ano.
Os roubos vão parar? Não, infelizmente.
Mas esse tipo de ação combinada com a fiscalização feita pelos próprios motociclistas vai reduzir muito a área de abrangência tornando o negócio ainda mais arriscado para quem rouba motos. O maior trunfo que temos é a nossa união, coisa que não existe entre motoristas de carros e caminhões com a mesma intensidade. Se fizermos apenas – eu disse APENAS – a nossa parte, o resto começa a andar sozinho e volta o tempo no qual, ainda no começo do motociclismo, se dizia que mexer com motociclista era mexer com um bando maior que um batalhão do exército e o pior: você não sabe quem está por baixo do capacete. Pode ser um juiz federal.
Ficamos por aqui. Na próxima coluna falaremos sobre comportamento e prevenção. Qual a melhor maneira de se comportar numa situação de roubo de moto? O que fazer para se proteger?
O tempo que levou para redigir esta coluna cerca de 48 motos foram roubadas no Brasil.
A gente se vê na estrada.