MICROSOL: Será o fim de uma lenda?
Cratéus, Ceará. Nordeste do Brasil. Nossa viagem no tempo começa neste cenário árido localizado na região que abrange o Polígono das Secas. Um garoto curioso e muito esperto está admirado ao ver um avião tão de perto e chora querendo ir junto. Mas não pôde. O tio o convida a aprender a acender luzes. O menino aceita e logo recebe fios, pilhas e lâmpadas e muda de brincadeira, mas não tira da cabeça a idéia de voar. O garoto cresceu e aprendeu no sertão um pouco de tudo ensinado por este tio. Sim, de tudo um pouco, pois até desmontar Harley-Davidson ele havia aprendido com um vizinho. O garoto que aprendeu a acender luzes colecionava a revista Eletrônica Popular e lia tudo sobre energia. Anos depois a família muda-se para Fortaleza e o garoto passa a estudar na Escola Técnica Federal do Ceará. Lá aprenderia muito com o seu professor. Mais tarde entra na Embratel e fica mais alguns anos de onde sairia para fundar, juntamente com um amigo a primeira indústria de tecnologia do estado do Ceará. Vinte e cinco anos depois o garoto Valdelirio Pereira Soares Filho seria o único dono da Microsol. No dia 21 de janeiro de 2009 anunciava a venda da Microsol para a maior fabricante mundial de produtos destinados a proteção de equipamentos eletroeletrônicos: a APC.
A Microsol nasceu formada pela frase “Micros na Terra do Sol” (que na abreviação ficou Microsol) em outubro de 1982 como uma assistência técnica e somente um ano depois lançava seu primeiro produto.
Mas para contar esta história é necessário falar dos seus dois fundadores. José Vicente Borges, maranhense descendente de espanhóis refugiados da revolução ocorrida naquele país, foi diretor técnico da Microsol Tecnologia por quase 20 anos e responsável pelo desenvolvimento de grande parte dos produtos da empresa. Borges já havia trabalhado na área de manutenção da Embratel, onde desenvolveu soluções usando microprocessadores. Empresas com a embratel, que juntavam equipamentos complexos de vários fabricantes, por vezes, precisavam desenvolver soluções particulares. Em 1978 Borges deixou a Embratel, pois surgira a oportunidade de fundar uma empresa de manutenção de microcomputadores em São Paulo. Naquele tempo, o microcomputador começava a surgir. A empresa fundada por Borges foi a pioneira no Brasil neste setor e se chamava MS Sistemas.
Valdelírio foi aprovado no concurso para a Embratel, onde ingressouem 1980, na área de comunicação de dados. Através de cursos, aprendeu a mexer com microprocessadores.Como aprendia muito rápido logo cresceu na Embratel. Foi quando surgiu, novamente, a necessidade de desenvolver produtos para uso exclusivo da empresa utilizando microcomputadores. Esta necessidade era atendida pelo Borges, quando também era funcionário. A Embratel até tinha alguma infra-estrutura, mas não existia um departamento para esta atividade no organograma da empresa. Foi criado, na realidade, um departamento de um homem só, que funcionava, tinha recursos, e que só tinha o Valdelírio trabalhando.
Em 1981 ou 1982, Borges retorna de São Paulo e conhece Valdelírio. Como ambos trabalhavam na mesma área e tinham interesses comuns, pois naquela época não havia mais ninguém para se conversar sobre estes assuntos, ficaram amigos. Em 1980, microprocessador, aqui em Fortaleza, era palavrão. Não existia ainda o PC, o IBM PC não havia sido lançado, não havia essa explosão. Microcomputador era coisa de iniciados, de malucos escovadores de bits. Posso dizer que durante muitos anos o Borges era o cérebro e o Valdelirio o que cuidava das vendas.
A Microsol ainda teve parceria formada por uma joint-venture com a Technitron, uma empresa portuguesa. A Joint-venture recebeu o nome de Technitron-Brasil e fabricava equipamentos para telecomunicações. Anos depois a parceria se desfez. Porém esta parceria colocava a Microsol sob olhares internacionais.
Duas décadas depois, ao se separarem, Valdelírio selou um contrato com Borges onde abriram uma garrafa de vinho e na rolha foi escrito o compromisso. Pediu ao Borges que a guardasse e só a devolvesse quando ele pagasse a última parcela da parte do sócio. Quando pagou a última prestação ele me liga e diz: -“Acabei de pagar a última. Peguei a rolha de volta. A Microsol agora é minha!” Era inegável a felicidade dele. A certificação do Inmetro foi outra luta da Microsol que desejava que acontecesse pelo menos uma padronização que melhorasse a qualidade dos estabilizadores de tensão que antes da certificação, salvando alguns, para pouco prestavam.
Neste mesmo tempo a empresa partiu para São Paulo, onde abriu filial, e para a Bahia onde também montou filial. Ambas fechadas após a compra da Microsol pela APC. Foi a partir de São Paulo que a Microsol ganhou o negócio que a projetaria nacionalmente como uma empresa que possui grande flexibilidade para produzir rapidamente qualquer projeto de produto novo. A Caixa Econômica Federal administra todas as lotéricas do Brasil e precisava de um no-break com determinadas características. Pois bem, a Microsol projetou, montou e homologou o produto em dois meses (à custa de várias noites viradas e de muita pizza) e ainda ganhou a licitação. Foi ela a única a ganhar a licitação com o produto já homologado. O negócio representava fornecer no-breaks para todas as mais de 5 mil lotéricas estabelecidas à época no Brasil. Para crescer abriu o capital e transformou em sociedade anônima em parceria com o Pactual.
Nesta época eu conheci o Paulo Couto e montamos uma grande parceria que ajudou e muito a projetar a marca e o Módulo Isolador Estabilizado.
Uma das tantas curiosidades da Microsol é um depoimento do Mestre Piropo. Eu estava presente em um almoço com o Paulo Couto e o Valdelirio quando ele disse ao Valdelírio que foi a Microsol que, sem saber, o iniciou para o mundo da informática quando adquiriu um produto da empresa.
Vamos mergulhar um pouco nesta história. A trajetória da Microsol se confunde com a da indústria tecnológica do Ceará e com a do Brasil em alguns aspectos. Há 25 anos ninguém podia imaginar que o Ceará seria um celeiro de talentos em informática. Naquela época dois jovens idealistas, posso dizer assim, acreditavam que era possível montar a própria indústria para fabricar tecnologia. Escolheram ficar no Ceará, mesmo sendo longe dos centros urbanos. Mas isso não atrapalhou o crescimento da Microsol. Seus produtos, fruto da capacidade de questionamento e criticidade, trouxeram pessoas dos grandes centros para o Ceará. Alguns desses produtos mudaram a realidade do mercado, marcaram uma épocae são alguns deles que contam a história da Microsol.
Os cartões de expansão evoluíram para os modelos VM 580 II e SOL/M 504 e foram amplamente empregados no CP 500 e CP 500/M80.
Naquela época media-se memória em Kbytes e os novos produtos chegaram como um alívio para os usuários de microcomputadores. O Murici 30 vezes mais rápido, possuía 256kb de memória e permitia executar 65000 cópias múltiplas. O Caju, um pseudo-drive, possuia a mesma capacidade, mas podia ser expandido até 2mb. Era 15 vezes mais veloz que um drive de disco flexível e totalmente compatível com os CP 500, Apple e IBM-PC.
Ainda em 1986 a Microsol aprontou mais uma. Por ocasião da 6a. Feira Internacional de Informática, realizada no Rio de Janeiro, em agosto daquele mesmo ano, apresentava ao público o drive DRX, de 5 ¼ face simples, com capacidade para 180 Kbytes. O resultado não podia ser diferente: o DRX foi o produtomais festejado da feira. Mais uma vez a solução não partiu da Sharp ou da Gradiente, na época os maiores fabricantes.
Um ano depois, em plena recessão, resultado do malfadado Plano Cruzado, a Microsol consegue dar mais um passo à frente. Era a vez do VMX-80, um cartão de vídeo de 80 colunas para o MSX. O cartão garantia ao equipamento a manutenção dos recursos gráficos, edição “full screen” e apresentava linha de teclas de função independente XX(25a. Linha). Com essa solução da Microsol , o MSX podia oferecer a possibilidade de rodar o Word Star e o CalcStar. Assim o MSX deixava de trabalhar apenas comcartucho.
O mercado mudou de repente com o fim da reserva de mercado. Era hora de diversificar. Enquanto a maioria das empresas lutava contra a queda de pedidos, a Microsol tomou novamente outro rumo. Passou a trabalhar com estabilizadores e no-breaks, pois para Valdelírio Soares e Vicente Borges, diretores da empresa à época, era necessário trabalhar com produtos que tivessem demanda permanente e não apenas temporária ou sazonal. O ano era 1988, mais ou menos julho. Nessa época era apresentado ao mercado o Stark I, o primeiro e até então um dos melhores estabilizadores de tensão já fabricados no país. O Stark era indicado para uma configuração PC XT/AT, monitor de vídeo colorido, Winchester, tape stream e 01 impressora de até 700 cps. O Starktambém era direcionado a outras aplicações, tais como: caixas registradores e terminais de telex. Alimentava tensão de 110 ou 220v, operava com potência de saída de 1Kva, variação admissível na entrada de +- 15% e regulação de saída de +- 3%, sendo o tempo de resposta de 16,6 ms. Sua eficiência a plena carga era de 97% e não apresentava distorção harmônica. Ainda hoje existem pedidos do Stark que chegou até a versão 3Kva e foi o pai de toda a família Sol de Estabilizadores de Tensão Tiristorizados, do Sol Fax e Sol Sat e o WL (White Line) destinado a eletrodomésticos tais como máquinas de lavar roupa e geladeiras.
Ainda em 1988, a Microsol ganhou projeção nacional mais uma vez ao lançar um kit que convertia o CP 500 em PC. A medida salvou o velho CP da obsolescência e o preparava para operar de maneira compatível com o IBM-PC. A solução foi bem simples. Segundo Vicente Borges, Diretor Técnico, “nós criamos um 16 bits aproveitando partes de PC-500, tipo: vídeo, drives, teclado, fonte de alimentação e a própria caixa.”. O pior problema foi o teclado, segundo Borges”o IBM PC era bem mais complexo, com teclas de função e de direção de cursor.” A solução encontrada foi a combinação de comando no próprio teclado do CP 500. Dessa forma garantiu-se as mesmas funções do PC.
1994. Já fazia algum tempo que a Microsol lidava com o mercado de estabilizadores e no-breaks, mas naquele ano foi diferente. Ao incorporar a tecnologia RISC a empresa transformou no-breaks simples em equipamentos inteligentes. Tal ousadia rendeu o “Oscar” da tecnologia nacional-o Editor Choice 94 da revista PC Magazine pelo Stay 1000NT. A Microsol, trazia a inteligência aos no-breaks.
1997. O atrevimento da Microsol era sua marca registrada. Desta feita criou o Integrator-o primeiro no-break do mundo que falava. Criado a partir de uma necessidade do mercado da época, o Integrator, de 600VA, reunia num só equipamento, o estabilizador, no-break, proteção para fax modem e alimentador para as caixas de som do multimídia. Seus sistemas de segurança foram desenvolvidos para proteger contra quedas de tensão, sobretensão ou curto-circuito. A autonomia era de 55 minutos e toda a comunicação é feita via software (na tela) ou através de recurso de voz. Eram 14 frases previamente programadas para alertar contra as falhas na rede elétrica, anormalidades e o estado das baterias.
Aqui um aparte: A empresa queria desenvolver algo realmente novo. Lembro-me que numa dessas reuniões que fazíamos para melhorar produtos eu tive contato com o Integrator. Na época era algo muito interessante, mas queríamos mais, foi aí que dei com a língua nos dentes e disse; “-Só falta falar….” Na hora a idéia foi aceita e o Integrator virou um produto concept que era também vendido mas o foco dele mesmo era mostrar a tecnologia da Microsol. Este produto abriu muitas portas para a Microsol.
1998. A Microsol descobriu que a maioria dos prédios residenciais e comerciais possuíam problemas com aterramento deficiente. Daí criou o Módulo Isolador que depois evoluiu para o Módulo Isolador Estabilizado e para o IPower-um nobreak que tem o MIE dentro dele.
Aqui outro aparte: É interessante contar como descobrimos o MIE. O Alexandre Lutz, design que criou a marca que a Microsol tem hoje, como bom paulista, levava trabalho para casa e sempre tinha problemas de aterramento, pois morava em terreno muito úmido. Paralelamente estávamos empenhados em descobrir uma solução que ficasse entre o estabilizador de tensão e o no-break e que permitisse ao cliente instalar em qualquer lugar. Foi quando Rogério Frota Barreto (gerente da assistência técnica da Microsol à época) e eu escutamos as queixas do Lutz. Aí, pensamos: “porque não utilizar um isolador com um estabilizador?” Deu certo! O problema do Lutz foi resolvido e assim nascia o Módulo Isolador. A empresa não acreditava no produto, mas eu, o Rogério e o Alexandre, sim. Pedi para ficar com ele e me deram. Claro, ninguém imaginava que ele poderia dar certo posto que ele já existia na Microsol e era apenas utilizado em missões críticas e nunca tinham fabricado mais que 10 unidades. Feito isso peguei o MI e levei a um jornalista amigo meu e o entreguei descaracterizado para testar. O teste foi feito e a matéria publicada. Tínhamos menos de 20 peças guardadas. Depois da matéria elas acabaram nas primeiras duas horas, daí pra frente o MI virou o MIE e ele se pagava. Tudo inclusive a sua publicidade era gerado baseado nas suas vendas. Foi quando a empresa decidiu investir incluindo nele o estabilizador de tensão. Este ponto da história gerou algumas divergências internas e externas, inclusive entre fabricantes. Todo este debate de prós e contras tinha no depoimento do cliente a prova do que ele prometia e assim foi certificado pelo Inmetro e hoje o MIE é uma realidade recheada de testemunhais muito interessantes.
No final de 1997 a Microsol planejou fazer senoidais de até 3 Kva. Mas a inquietação era grande. Era preciso construir um equipamento que superasse tudo que existia no mercado. Foi um ano duro, mas a equipe de projetos tinha uma obsessão: fazer do Solis o melhor no-break senoidal do Brasil. Lançando em novembro o 1o.Ups – uninterruptable power supply da família Solis, era um no-break senoidal on-line interactive, que fornecia, ininterruptamente, energia em forma de onda senoidal, filtrada, estabilizada e protegida contra surtos.
Todos os no-breaks da família Solis eram controlados por microprocessador de tecnologia RISC. Além disso, eram capazes de comunicar-se, local ou remotamente, com os computadores ou servidor da sua empresa,para supervisão e controle.
A velocidade de resposta e o baixo custo de produção colocaram o Solis na época como o no-break mais inteligente do Brasil e o de melhor preço.
A marca Microsol tem uma bela história de pioneirismo, ousadia e criatividade. Para a empresa, um dos seus valores mais cultivados diz respeito ao questionamento: “Aquilo que não se questiona, jamais será mudado, sempre dizíamos”. Sequer melhorado. Foi assim que a Microsol ganhou vários prêmios. Foi a primeira a implantar um 0800 para esta categoria de produtos e a primeira a ter um programa de reciclagem de baterias dois anos antes da publicação da Lei. Tal fato foi publicado na revista Época.
A tímida fábrica que se estabeleceu nos fundos de uma casa, em Fortaleza, transformou-se em um ícone da tecnologia nacional com 500 funcionários e duas fábricas que produziram mais de 8 milhões de equipamentos. Pioneira na utilização de tecnologia RISC para no-breaks e; pioneira mundial em tecnologia de voz para no-breaks, a Microsol tem pedigree nacional.
Ao publicar a noticia da sua venda (Confira a notícia publicada no Fórum – APC confirma a compra da Microsol )e ao saber que Valdelirio deixará a empresa em até 3 anos, confesso que me deu nó-na-garganta e o meu olhar ficou distante, dispersivo, triste. Fui tomado por um profundo silêncio questionador. Mas Valdeliro afirmava aos amigos que estava cansado; queria dedicar-se mais a família e quem sabe a novos projetos. Por este ponto fiquei mais alegre. Mas é impossível não questionar: Será o fim de uma lenda?
Uma coisa é certa: Aquele menino que um dia, lá em Crateús, aprendeu a acender luzes, mal sabia que iluminava, além do próprio destino, o de muitas pessoas de toda uma geração.
Arquivo pessoal.