WEB: Do que gostam as mulheres da classe C?
Para aqueles que gostam de analisar mercados em busca de oportunidades e para as agências de publicidade especializadas em mídias online, eu tive acesso a uma pesquisa interessante. Ela pesquisou quem é e o que faz na Internet a mulher dona-de-casa da classe C, de 25 a 49 anos.A metodologia utilizada é por demais interessante e aponta caminhos muito mais precisos do que as outras comumente adotadas.
Os pesquisadores utilizaram o método de pesquisa (Etnografia Digital) que monitora o público a ser pesquisado em tempo integral, visando acompanhar o comportamento dos pesquisados em tempo real e ambiente natural. No mundo real seria o mesmo que ter um antropólogo 24 horas convivendo com uma tribo indígena registrando todos os hábitos e atitudes, de modo a perceber os comportamentos que os próprios pesquisados não passariam em resposta a uma pesquisa convencional.
Para entender um pouco mais a Etnografia Digital é a adaptação de uma metodologia de pesquisa de observação interativa já bastante utilizada no ambiente offline para o meio Internet. A pesquisa extraiu informações importantes decorrentes da análise da navegação e mostrou como as mulheres de baixa renda se relacionam com a Web nos dias de hoje.
Mas por que as mulheres de baixa renda foram alvo da pesquisa?
Nos últimos sete anos, aproximadamente 30 milhões de brasileiros ascenderam à classe média. O resultado é que a classe C se tornou a mais numerosa do país, com 90 milhões de brasileiros, praticamente a metade da população. A classe C já detém a maior fatia da renda nacional. Essa evolução evidencia o amadurecimento social e econômico do Brasil, melhores até que as ocorridas em maior escala na China e na Índia. No livro A Classe Média Brasileira-Ambições, Valores e Projetos de Sociedade (Editora Campus/Elsevier; 192 páginas; 49 reais), os sociólogos Bolívar Lamounier e Amaury de Souza analisam essa transformação.
A classe C é facilmente identificável por meio da renda e da escolaridade e ela é representada pelas famílias cuja renda mensal vai de 1.115 a 4.807 reais. Essas mudanças não passaram despercebidas entre bancos e empresas de cartão de crédito, que elegeram esse público como novo alvo de suas estratégias. O objetivo é oferecer o que o grupo mais consome: crédito. Levar agências para dentro das comunidades e não oferecer produtos que remetam à pobreza são algumas das estratégias para conquistar os novos clientes.
Em 2009, o presidente interino da TAM, Líbano Barroso, afirmou que em 2010, a companhia vai apostar mais fortemente na classe C, que tem sido o segmento que mais tem crescido no uso de passagens aéreas. No Brasil, o mercado de aviação doméstica cresce o dobro do PIB. Com as projeções indicam que o país deve crescer entre 5% e 6% no ano que vem, a tendência é de o setor aéreo crescer até 12%. E quem anda puxando este crescimento é a classe C.
Para quem imaginava que este crescimento é recente, voltemos ao ano de 2008. Um estudo realizado pela consultoria Nielsen, especializada em pesquisa de mercado, para a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas mostrou que a classe C passou de 37% da população brasileira em 2006 para 44% em 2008. O diretor da Nielsen João Carlos Lazzarini disse, à época, em entrevista a Paulo Henrique Amorim que com o crescimento da classe C alguns produtos ganharam mais poder de penetração. Foi o caso do computador. “Em 2006, nós tínhamos computadores em 15% da classe C. Esse número saltou para 23% em 2007”, disse à época Lazzarini. Ultimamente a Classe C está comprando notebooks e alguns netbooks.O pessoal dos smartphones também anda de olho na Classe C e em breve teremos ofertas especiais para eles.
Agora que você entendeu o potencial da classe C deve se perguntar “Por que mulheres donas de casa?” Bom, as mulheres consomem mais do que homens, se relacionam mais, pesquisam mais e são muito mais analíticas. Assim, diante misterioso mundo feminino ter uma ideia do que elas querem já será uma grande conquista e uma vantagem mercadológica enorme.
Nesta pesquisa foi possível isolar um público tão específico (e cheio de peculiaridades) e descobrir dados sobre elas. Segundo os resultados, 40% passam mais de duas horas por dia conectadas;83% se conectam todos os dias;86% participam de alguma rede social; 23% já criaram ao menos uma comunidade; 33% consideram a Internet um passatempo melhor do que a televisão( e ainda tem gente que acha que divulgar pela web não dá resultado);78% se sentem mais globalizadas na Web; 15% chegam a se sentir mais inteligentes e26% declaram se sentir totalmente seguras em fazer compras online (Maridos! Cuidado!).
Orkut, bancos, pesquisa de preços online e busca de empregos
A metodologia desenvolvida pela Predicta e MultiFocus apresenta algumas conclusões igualmente interessantes. Os registros de navegação apontaram para uma grande atividade desse público na Web. Em 11 dias foram registrados 94.250 acessos em 2.700 URLs diferentes. Ao considerar o tipo de sites acessados, 44% da navegação foram em páginas de relacionamento; 38% em sites de informação; 10% em entretenimento; 6% em e-commerce e 2% em serviços. Ao analisar as URLs acessadas nota-se que as redes sociais respondem por 94% dos acessos, sendo o Orkut o mais visitado. O acesso a chats foi muito pequeno, registrando apenas 5%, e os blogs registraram 1%. Ou seja, o Orkut ainda é o melhor meio de contato com elas.
Quanto ao uso de email aqui aparece outro dado interessante. Nos sites de busca de informação, apenas 34% dos acessos são para enviar ou receber e-mail, o que mostra que elas preferem os contatos imediatos oferecidos pelas redes sociais. Apenas 10% da procura por informações foram em portais, jornais e revistas, enquanto que “buscadores” (Google) foram responsáveis por 56% das visitas. Isso mostra que as mulheres estão buscando entender mais sobre aquilo que pesquisam e aqui conteúdo de boa qualidade e com bom foco fará toda a diferença.
Elas também estão acessando suas contas correntes via web. Internet Banking foi responsável por 23% das visitas em portais de prestação de serviços, mas ainda é inferior a busca por emprego, que respondeu por 54% das URLs nessa categoria. A busca por informações sobre governo registrou impressionantes19% do total de navegação em sites de serviços na Web. Mas apesar de bons números elas estão lendo menos. Cerca de 66% confessam que estão lendo menos offline. Porém elas estão trocando as caminhadas em shoppings pela pesquisa via web, 60% delas dizem que diminuíram o tempo de pesquisas de preços nas lojas, pois o fazem pela rede. Portais de produtos usados estão em alta, já que 20% entram com freqüência e, 57%, eventualmente.
Atenção empresas e anunciantes!
Chamem suas agências e repensem seus sites e muito cuidado com elas, pois 63% buscam informações sobre os produtos nos sites das empresas e 12% registraram participação em fóruns ou comunidades a favor ou contra uma marca. Se não estiver bem na foto, elas detonam mesmo.
Para que uma pesquisa dessas tivesse dados tão consistentes precisaria mesmo ter sido desenhada por mulheres. Quem puxou o projeto foi Ana Helena Meirelles Reis, presidente da MultiFocus. O método da Etnografia Digital, mesmo sendo uma adaptação do que a MultiFocus já fazia em pesquisa etnográfica offline para o meio online, promete resultados bem mais consistentes para nós que trabalhamos monitorando os desejos dos consumidores não apenas em produtos, mas também em conteúdo e linguagem. Esta nova metodologia poderá revolucionar a forma como as empresas usam a Internet para conversar com seus consumidores. A não ser que vocês acreditem que mulheres gostam mais de games…
Como foi feita a pesquisa
A pesquisa foi realizada durante 11 dias corridos (16 a 27 de dezembro de 2009), com 50 donas-de-casa com Internet em domicílio, de 25 a 49 anos, residentes em São Paulo e com renda familiar de até 10 salários mínimos, ou seja, nível sócio-econômico C. Essa faixa de renda foi escolhida porque as famílias nesse patamar foram as que mais impulsionaram o crescimento da Internet, desde 2003, quando eram 2.165 domicílios até 2008, com 8.775 domicílios conectados, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2008), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Todas as participantes receberam um usuário e senha para se logar nesse período, num site exclusivamente desenvolvido para esse produto, de modo que a navegação de outros membros da família não alterasse os resultados. Além disso, responderam a um questionário online por dia e ao final se submeteram a dois dias de chats.
Os dados da pesquisa e a forma como foi feita são animadores para que nós homens consigamos nos atrever a decifrar o enigma de Freud que é descobrir o que elas querem e mais ainda, como elas gostam.