2017. Os brasileiros eram assim?
Estamos em 2017. Um ano depois das Olimpíadas. Depois do sucesso que foi a Copa do Mundo ao ver o Brasil hexacampeão numa final eletrizante contra os italianos no Maracanã todo reformado, hoje é dia de escrever a coluna da semana. Estou com 54 anos e muita coisa mudou no Brasil. Lembrei-me de uma mensagem que tinha guardado. Ela trazia o perfil de um brasileiro que mudou. Aos poucos as pessoas começaram a tomar consciência do seu papel e passaram a mudar hábitos que antes eram comuns. As crianças que naquela época tinham entre 10 e 15 anos estão hoje com 19 e 24 anos.
Ao abrir o e-mail com um comando vindo do meu pensamento (pensei no e-mail e o software o mostrou quase em tempo real) logo uma voz começou a lê-lo pra mim. Ao terminar, pude comparar o que éramos com o que somos hoje. Não pude resistir às lembranças daquela época e apenas sorri. Depois de alguns minutos, marejei os olhos. Sou avô e meu neto logo vai chegar para passar o dia. Para não atrasar meu artigo da semana comecei imediatamente a pensar sobre que tema escrever. O título seria-O brasileiro era assim?
As tecnologias avançaram bastante e digitar é coisa do passado. Basta pensar no que escrever e o texto logo aparece na tela. Aos poucos as idéias vão se organizando. Lembrei do filme Matrix (é o novo) e pensava se tudo aquilo era real ou fruto da minha imaginação. Mas, depois de tanta evolução não dava mais para separar o real do virtual.
O texto falava que os brasileiros de nove anos atrás saqueavam cargas de veículos acidentados nas estradas; estacionavam nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas onde estava impresso que era proibido parar ali. Quando eram pegos cometendo alguma infração tentavam subornar. Nas eleições, a maioria detestava política e muitos bandidos eram eleitos para roubar o dinheiro do povo. O povo daquela época trocava voto por qualquer coisa: areia, cimento, tijolo, dentadura. No trânsito, hoje bem mais educado,falava-se ao celular enquanto dirigiam . O trânsito matava mais que à época da Guerra do Iraque. A maioria das pessoas trafegava pela direita nos acostamentos quando aconteciam congestionamentos. Parar em filas duplas e triplas em frente às escolas era comum e quem reclamasse ouvia impropérios.
Dormir nas grandes cidades naquela época era um grande problema. Havia uma lei do silêncio que quase ninguém respeitava e por não haver fiscalização a maioria a violava e quase nada acontecia, pois a fiscalização não cobria tudo. Lembro que na época as pessoas bebiam e dirigiam. Foi então que implantaram a Lei Seca onde quem fosse pego com qualquer teor de bebida alcoólica seria preso ou teria a carteira tomada e pagaria uma multa muito elevada. Hoje ainda se bebe e dirige, mas é bem menos.
Naquele tempo envelhecer era um castigo e ninguém respeitava a idade. Existia uma lei que garantia livrar os idosos de filas e de outros desconfortos, mas as pessoas não gostavam. Alguns idosos eram xingados nas filas e motoristas de ônibus não paravam para eles. Furar filas em bancos, utilizando-se das mais esfarrapadas desculpas, era algo comum. Hoje elas praticamente acabaram.
Naquela época as pessoas saiam para as baladas. Era a diversão dos que hoje têm seus quase35e 40 anos. Naquele tempo espalhavam mesas e churrasqueiras nas calçadas.
No trabalho, as pessoas, quando faltavam, muitas delas, pegavam atestados médicos sem estarem doentes, só para justificar a falta ao trabalho.Comercializavam os vales-transporte e vales-refeição que recebiam das empresas onde trabalhavam. Levavam das empresas onde trabalhavam,pequenos objetos como clipes, envelopes, canetas, lápis -como se isso não fosse roubo e, ao mesmo tempo, exigiam pena-de-morte para ladrões de galinha.Mesmo fazendo algumas dessas coisas, boa parte dos brasileiros daquela época reclamavam dos políticos que eles mesmos ajudavam a escolher e que faziam ainda pior. Na realidade, naquela época, os políticos pegavam seu voto para defender seus próprios interesses e os interesses das corporações. Se fosse interessante aos dois, o povo ganhava alguma coisa. Caso contrário, a vida era mesmo de gado ou boiada.
As diferenças sociais eram bem maiores do que são hoje e a necessidade fazia com que, outro tanto, fizesse gato de luz e água. Outros, que nem precisavam tanto, seguiam o mesmo caminho e faziam gato de TV-a-cabo com a desculpa que cobravam caro pelo ponto-extra.
O mercado imobiliário mudou bastante depois que as pessoas se conscientizaram do seu papel no equilíbrio da saúde do planeta. Nada é mais feito sem pensar nas conseqüências para o nosso mundo. Ainda naquele tempo, os impostos eram muito elevados (hoje a realidade está mudando, pois o governo entendeu que não precisa matar a galinha para ter ovos de ouro) e injustos. Trabalhava-se cerca de ¼ do ano para pagar taxas e isso fazia com que as pessoas registrassem seus imóveis no cartório com valor abaixo do comprado, muitas vezes irrisórios, só para pagar menos impostos. Também para escapar do leão do Imposto de Renda os brasileiros compravam recibos para abater na declaração.
Para tentar igualar as oportunidades no Brasil criaram uma espécie de reserva de mercado onde pessoas de cor poderiam ter acesso a faculdades.O racismo no Brasil era econômico.Se era negro e rico você era um cara legal.Se era branco e pobre poderia ser um excluído também. Índios eram povos preguiçosos que só sabiam viver de sombra, água fresca e da proteção da FUNAI, que nem existe mais. Para entrar numa universidade algumas pessoas mudavam a cor da pele para poder usufruir do sistema de cotas. Quando descobriam a mutreta a imprensa da época jogava nas manchetes dos jornais (que ainda eram impressos) e os debates sobre o regime de cotas logo retornava.
Muitos profissionais ganhavam a vida viajando e as empresas pagavam todas as despesas, como ainda é hoje, só que em menor escala. Quando viajam a serviço, se o almoço custava R$ 10,00 pediam uma nota fiscal de R$ 20,00. Outros comercializam objetos doados em campanhas em favor de desabrigados por conta de catástrofes. Ainda tinham aqueles que diminuíam a idade do filho para que este passasse por baixo da roleta do ônibus, sem pagar passagem. A justificativa era sempre a mesma: o salário era baixo e as passagens eram caras demais.
O trânsito era um capítulo onde toda a falta de educação do brasileiro se mostrava. Estacionavam em vagas exclusivas para deficientes, adulteravam os velocímetros dos carros para vendê-los como se fossem pouco rodados. Substituíam o catalisador do carro por um que só tinha a casca. Emplacavam o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA, que era um imposto sobre a propriedade de veículos motorizados que deveria ter sido aplicado na melhoria das estradas, mas que ainda hoje, mesmo com novo nome e toda a prestação de contas, desperta desconfiança. No campo do direito autoral a coisa corria mais frouxa do que hoje, mesmo com todos os controles que hoje temos. Naquela época compravam produtos piratas com a plena consciência de que eram ilegais. A desculpa era a mesma: eram caros demais e muito carregados de impostos.Freqüentavam os antigos caça-níqueis na triste esperança de que uma simples moeda trouxesse uma pequena fortuna em dinheiro. Falsificava-se de tudo, de tudo mesmo. Escapava apenas aquilo que ainda não havia sido inventado.
Férias e viagens ao exterior também eram motivo para poder aprontar alguma coisa. Pois o importante era levar vantagem em tudo, certo? Afinal de contas, eram legítimos descendentes de Gérson; um jogador da Seleção Brasileira de Futebol que fez sucesso no século passado, na década de 70. Quando voltavam do exterior, nunca diziam a verdade quando o fiscal aduaneiro pergunta o que traziam na bagagem e quando encontravam algum objeto perdido, na maioria das vezes, não o devolviam, pois achado não era roubado.
Olhando para trás, nove anos depois, percebo que muita coisa melhorou. Outras mudaram e algumas estão em fase de melhorias. Mas parece que o brasileiro definitivamente recuperou seu orgulho sem perder a hospitalidade, o carisma, a solidariedade. Aqui ainda é um pouco como antes. Os estrangeiros vivem aqui em paz com suas diferenças, pois continuavam a descobrir que ser brasileiro, ainda hoje, é um estado de espírito.
Pois é, amigos. Os brasileiros eram assim. Ninguém sabe o que aconteceu, nem como começou, mas uma revolução cultural fez com que tudo isso mudasse. Alguns atribuem a internete outros a uma mudança natural. Bom, não importa de quem é o crédito. O que importa é que nada é mais como era antigamente.
Está de volta, tocando bastante nas rádios virtuais, uma música, de certo um poeta brasileiro, que morreu cedo, mas que parece ainda eterno. Não sei por que renasce a música, mas a letra é muito atual. Atual como os textos dos poetas que parecem escrever métricas que apontam para um tempo que pode ser qualquer um, inclusive este tempo.
Um trecho da música, que está a tocar, me chama atenção.
“Quem me dera, ao menos uma vez,
Explicar o que ninguém consegue entender:
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente.”
“Quem me dera, ao menos uma vez,
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
E fala demais por não ter nada a dizer”
“Quem me dera, ao menos uma vez,
Que o mais simples fosse visto como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente.”
Vimos! Mas a cura está mais perto hoje, em 2017. E pensar que os brasileiros eram assim.Bobagem! Não temos medo do escuro! Mas não custa nada deixarem as luzes das boas idéias e da evolução, acesas.
Ouço o barulho do despertador. São 5:30 da manhã do dia 10 de outubro de 2009. Que sonho! Vou pro banho. Tenho mais um dia de trabalho pela frente.