Quando tudo dá errado – parte II – O Vôo 3054.
Dezessete, do Sete, de Dois Mil e Sete, Sete da Noite.
“A diferença entre uma comédia e uma tragédia é que, na comédia, aparentemente, você não tem saída.”
Um acidente ou tragédia é provocado por um conjunto de fatores. Várias coisas contribuem e não apenas uma. Que me perdoem meus amigos jornalistas, mas é necessário juntar vários pedaços, pois não apenas um foi o causador.
Uma operação quando começa a fazer água dá vários tipos de sinais, mas parece que ninguém vê e nem ouve nada até que o pior acontece. Uma diferença em particular precisa ser destacada aqui-na aviação militar você não tem escolha-tem que voar em qualquer condição e de qualquer jeito, pois é uma guerra. Na aviação civil o piloto só decola se quiser e pousa onde achar mais seguro. Deveria ser assim, mas esse é o primeiro problema: os pilotos sofrem muitas pressões.
Conversei com alguns pilotos, mecânicos de várias companhias aéreas. Em segredo e sem serem identificados eles falam, mas têm medo de represálias. Por trás do anonimato muitas coisas puderam ser colhidas e, somadas, costuradas formam um tecido de informações e fatos que fazem um grande sentido. Nessa análise gostaria de me deter apenas aos fatos. A conclusão fica por conta de vocês e do relatório final.
Fato 1-O ponto de toque
O avião pousou no ponto certo, mas não conseguiu parar a aeronave.
Fato 2-A pista
A pista ficou perigosa. Escorregadia, mas com um mínimo de capacidade de operação.
Estava lisa, molhada e sem um dreno, pois faltava o grooving (ranhuras que facilitam o escoamento da água). A torre avisou que estava bem molhada e escorregadia.
Fato 3-Por que a torre não fechou o aeroporto?
A classe dos controladores de vôo já reclamou muito, brigou muito, desgastou-se, amotinaram-se e perderam grande parte da sua credibilidade por falta de habilidade de negociação. Não ganharam a opinião pública para uma causa justa que se chama segurança e por isso, por não saberem comunicar fatos, ganharam antipatia, ódio e tudo mais que todos sabemos.
Fechar um aeroporto daqueles, no horário de pico…. era prisão certa. Novo motim!
A imprensa iria publicar que os controladores de vôo estavam querendo melar as férias da família brasileira, etc, etc. Restou ao controlador alertar por mais de três vezes ao piloto que a pista estava”molhada e escorregadia.”
Fato 4-Os freios
Parar um avião de várias toneladas de peso numa pista que possui 1900 metros de comprimento (principal) e 1400 metros na auxiliar exige um perfeito sistema de frenagem. Não há em Congonhas zona de escape. Errou, dançou.
Grama… muito pouca. Quase nada.
Parar um avião que estava no limite de peso para pouso, para aquela pista, exigiria que todo o sistema e freios estivesse perfeito. Mas não estava.
Fato 5-O reverso pinado
Reverso pinado é uma expressão que os piloto usam quando o reverso do avião não está funcionando e precisa ser travado. Quando isso acontece o mecânico retira um pino de segurança de um lugar e põe em outro travando o mecanismo de reverso. Isso é feito para evitar que abra acidentalmente (razão do acidente Fokker 100 TAM também em Congonhas). É uma operação simples e que a grande maioria das pessoas consegue fazer.
Mesmo assim, dizem, o avião pode pousar sem problemas. Mas não em todas as condições e em uma delas ficou provado que não: Congonhas com chuva, avião pesado, reverso “pinado”.
O avião pousou no lugar certo, não conseguiu parar e na velocidade que estava não conseguiria decolar. Ou seja: não dava pra parar o avião na pista com aqueles freios, aquele peso e numa pista molhada. Também não dava para decolar, pois a pista curta não garantia que a aeronave chegasse a velocidade para poder arremeter. Pior, ou era tenta isso ou morrer, pois não tinha zona de escape. Eles tentaram… não deu.
Fato 6-Uma tragédia anunciada
De nada adianta a TAM tentar minimizar o fato do reverso “pinado”. Na realidade a soma de todos esses fatores fez com que esse acidente acontecesse. Todo mundo sabia, ninguém acreditava e nem fez nada pra mudar… agora acreditam.
Fato 7-Tudo normal, aeroporto aberto e número de vôo trocado.
Maior indignação de pilotos foi ver que o aeroporto estava funcionando no dia seguinte normalmente com seus 48 vôos programados para aquele dia.
O vôo que caiu, o 3054, trocou de número, mas era o mesmo vôo, o mesmo tipo de aeronave, no mesmo aeroporto, na mesma hora e com as mesmas condições de pista-ou seja-molhada. Esse vôo esperou 20 minutos voando (além de 1h e 30m que dura o vôo e Porto Alegre a São Paulo) pelos céus de São Paulo até que a pista secasse e oferecesse condições de pouso.
Em qualquer lugar sério, esse aeroporto estaria fechado até que o grooving estivesse funcionando. Pelo menos isso.
As caixas-pretas (que na realidade são de cor laranja) dos aviões de hoje possuem tecnologia avançada. Antes gravavam 30 minutos em sistema sem-fim com um rolo de fita cassete. Hoje o sistema é digital e grava duas horas. Assim toda a viagem foi gravada em áudio e telemetria, segundo-a-segundo. Será possível determinar até o ponto da pista onde o avião tocou o solo e o momento exato do impacto.
Apesar de podermos dizer que essa tragédia, ou assassinato, como queiram, poderia ser evitada, acredito que esse momento, mais uma vez, confirma a Teoria do Caos: quando nada parece fazer sentido, volte ao início para entender como tudo começou e descubra o novo padrão.
O novo padrão é que dobramos a quantidade de vôos e não ampliamos a capacidade para pode receber e atender a tanta gente e a tantos aviões. E quanto a voltar ao início, a Teoria do Caos nos lembra do acidente da GOL-o vôo 1907, num 737 no dia 29/09/2006 onde toca essa crise se anunciava e começava a transformar-se num caos.
A segurança vai melhorar, pois muito serão demitidos, companhias serão punidas, relatórios bombásticos virão à tona, mas, com o tempo, esqueceremos de lembrar que para que essa melhoria pudesse acontecer e decisões viessem a ser tomadas, dois aviões carregados de gente tiveram que se despedaçar.
Vamos esquecer que essas vidas foram sacrificadas para mostrar erros para que possam ser corrigidos e que outras vidas sejam poupadas, por isso a minha homenagem particular parafraseando Winston Churchil: “nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.
Deu tudo errado. E quando tudo dá errado…
Luis Sucupira