Mossoró, a terra que colocou Lampião para correr!
Mossoró, no Rio Grande do Norte, fica bem no meio do caminho entre Fortaleza (240km) e Natal (282km). A cidade sempre foi muito rica em sal, algodão e petróleo. Há inúmeros poços de petróleo espalhados pela cidade e região. Em uma dessas escavações encontraram uma fonte de aguas termais onde hoje funciona o Hotel Thermas.
Mas Mossoró não é conhecida apenas pelas suas riquezas, mas pela bravura e determinação de seu povo. Além de reduto cultural o município é marcado pelo Motim das Mulheres (movimento contrario ao alistamento militar obrigatório para a Guerra do Paraguai), pelo primeiro voto feminino do país, por ter libertado seus escravos cinco anos antes da Lei Áurea e por ter colocado o bando de Lampião pra correr e ter transformado um cangaceiro em santo. Foi nessa cidade que o mais temido dos cangaceiros, Lampião, teve a sua mais dura e amarga derrota.
Voltemos no tempo. O ano é 1927. O dia 13. Dia de sorte para os mossoroenses e de azar para Lampião. O bandido resolve invadir a cidade mesmo sabendo que ela possui igreja de duas torres, que é dedicada a Santa Luzia (Lampião era cego de um olho) – sua padroeira – e que isso seria um risco grande por conta da sua superstição de vir a acabar levando um grande castigo. Mas mesmo assim tentou, pois a riqueza da cidade era tamanha, que valia a pena pelo menos tentar.
No final da manha o bando entra na cidade. À frente estão Jararaca, Colchete e Menino de Ouro. Eles entram cantando os versos da canção paraibana “Mulher Rendeira…” “Ô mulhé rendeira!/ Ô mulhé rendá/ Me ensina a fazê renda/ Qu’eu te ensino a guerreá…”
Mas a música será interrompida pelos tiros disparados pela população da cidade que entrincheirada resolvera reagir sob a liderança do então prefeito Rodolfo Fernandes. Foram montadas sete trincheiras cuja missão era evitar que Lampião chegasse ao centro da cidade e assim pudesse saquear Mossoró.
O tiroteio começa repentinamente e é muito forte. Dura uma hora. Ao final desse tempo estarão mortos Colchete e Menino de Ouro ( um dos cangaceiros mais queridos de Lampião, dotado de uma bela voz). Jararaca, um dos mais temidos, estará ferido e será capturado.
Contam que Lampião ao ver que havia caído numa cilada ordenou a debandada, pois “igreja que tem a bunda redonda e que até o santo atira, não é um bom lugar para lutar”. E assim fugiram deixando para trás ‘Jararaca’ gravemente ferido.
O lugar que Lampião se referiu é a Igreja de São Vicente, lugar que ficava ao lado da casa do então prefeito Rodolfo Fernandes e onde estava a principal trincheira. O santo que atirava era alguém atrás da imagem de São Vicente que fica no primeiro módulo da torre do sino da igreja (hoje está tapada) e acima outro que disparava da ponta da torre onde ficava o sino.
O repórter do jornal O Mossoroense, Fenelon Almeida, relata que Jararaca foi encontrado pelo pequeno comerciante Pedro Tomé. Conta o repórter: “Ao aproximar-se da moita, ainda para certificar-se da natureza dos sons que escutara, Pedro foi encontrar um homem caído por terra, com as vestes ensanguentadas, respirando com dificuldades, sentindo fortes dores no peito direito. Era um homem de cor, compleição forte, ainda jovem. Era Jararaca, que caiu na Praça São Vicente se arrastara até ali, numa tentativa de fuga. Mostrando-lhe o bornal que era também a sua caixa-forte, Jararaca prometeu ao desconhecido pagar-lhe generosamente, se ele encontrasse em algum lugar e lhe viesse trazer um pouco de água, sal de cozinha e pimenta-malagueta. E também um canudo de mamoeiro”.
Pedro Tomé prometeu atender-lhe o pedido. Recebeu o dinheiro de Jararaca e foi à procura do primeiro soldado que descobrisse no caminho. Entre o instante do encontro do comerciante com o cangaceiro ferido e a vinda dos soldados que o prenderam, desapareceram o dinheiro, as joias e outros objetos de ouro e quase todos os demais pertences do cangaceiro.
Já na delegacia e atendido por um médico, Jararaca insistia em obter o canudo de mamoeiro e pimenta-malagueta. Perguntaram-lhe como usar isso, e ele, explicou, dizendo: “No bando, quando alguém recebe ferimento como este, sopra a malagueta pelo canudo colocado na ferida. Sai a salmoura no outro lado. Arde muito, mas a gente fica curado.”
Continua Fenelon: “Jararaca dava sinais de que estava melhorando, mas sábado, dia 18 de junho de 1927, alta hora da noite, o capitão Abdon Nunes de Carvalho, retirara o cangaceiro da cadeia, dizendo que ia levá-lo para Natal. Ao invés disso, levaram-no diretamente para o cemitério local, onde uma cova estava aberta à sua espera”.
Ao ordenarem ao condenado que descesse do veículo e entrasse no cemitério, o motorista Homero Couto ouviu quando Jararaca disse, a meia voz: -“Valha-me, Nossa Senhora!” Ao ver a cova que lhe fora preparada, Jararaca tornou a falar: “Vocês querem me matar. Mas não vou chorar de medo, não. Nem pedir de mãos postas pra não me tirar à vida. Vocês vão ver como é que morre um cangaceiro”.
Não havia ódio nos gestos e palavras de Jararaca. Havia desprezo, muito desprezo; não ódio. Foi o que relatou o repórter Lauro da Escóssia, que entrevistou um dos matadores de Jararaca.
O bandido estava com as mãos amarradas às costas. Primeiro, uma coronhada na nuca. Em seguida um golpe de sabre esfacela a garganta. Ainda se debatendo o corpo de Jararaca foi pisoteado e depois empurrado o interior da cova. Imediatamente, cobriram-no de terra quando ele ainda estava de olhos abertos.
Alguns anos depois Jararaca foi mote de uma graça alcançada por Neide Santiago, funcionária da Estrada de Ferro de Mossoró, que em agradecimento ergueu um túmulo ao cangaceiro. A onda espalhou-se e hoje é o túmulo mais visitado de Mossoró. Na lápide está escrito: “Aqui Jaze José Leite de Santana, vulgo ‘Jararaca’. Nasceu em 1901- Faleceu-19-06-1927”.
Nessa cidade acontece também o Mossoró Moto Show, promovido pelos Carcarás dos Asfalto, um dos maiores e mais bem organizados encontros de motos do Nordeste. Todas as motos reúnem-se na Estação das Artes onde fica o Museu do Petróleo e está entre a Igreja de Santa Luzia e a de São Vicente.
Eu e Jan Messias pudemos sentir de perto o clima daquela luta e imaginar como foi corajoso o prefeito Rodolfo Fernandes e seus valentes comandados. Mossoró é uma cidade rica em cultura, em sal, petróleo, em belas praias e em coragem, pois para proteger tanta riqueza e beleza não precisam de mais nada além do seu povo. Meu amigo, quem botou Lampião pra correr e fez até cangaceiro virar santo é capaz de fazer até mesmo aquilo que todos nós chamamos de “impossível”.
Fotos: Jan Messias, arquivo do Memorial da Resistência
Reportagem: Luis Sucupira
Agradecimentos – Make Safe – Alarmes presenciais e Nikkei Motos Kawasaki.