Por onde anda o Bozoka?
O Brasil da modernidade busca espelhar-se no modelo americano dedicado a meritocracia que nada mais é que valorizar, premiar e reconhecer as pessoas pelos seus méritos e não apenas pelas qualidades. É a teoria do resultado, principalmente aquele que ecoa pela sociedade onde o indivíduo se insere.
Já tentaram implementar isso aqui no Brasil, mas não vingou como deveria. Para instalar a meritocracia numa sociedade, novos paradigmas precisam ser aceitos e a nossa sociedade não sabe lidar com reconhecimento e principalmente o aplauso e, no motociclismo, não é diferente.
O título desta coluna destaca um amigo que sempre tenho na mente como uma referência para mim – Francisco José Cavalcante – o Bozoka.
Bozoka é piloto de teste, apresentador de TV, palestrante, escritor com três livros publicados: Na Trilha dos Incas, Uma Aventura Gelada de Fortaleza para Antártica de Moto e Sobrevivência no Trânsito para Motociclistas. Fluente em inglês e espanhol, Bozoka conta com mais de 35 anos de experiência pilotando motocicletas tendo participado de competições e expedições internacionais tipo teste drive. São elas: Desafio das três Américas, San Francisco-Califórnia USA-Fortaleza (Honda Transalp 600 cc), Na Trilha dos Incas, Fortaleza-Machu-Picchú-Fortaleza (Honda NX 4 Falcon), Desafio Norte Sul do Oiapoque ao Chuí (Sundown Max 125 cc) e Uma Aventura Gelada, de Fortaleza para Antártica de Moto (Traxx JL 125 cc).
Como palestrante desenvolveu o método de pilotagem segura “Consciência Situacional Moto Ciclística (CSM)”, baseado na antecipação aos acidentes. Bozoka viajou o Brasil inteiro com a palestra deste método e conquistou parceiros de marcas como AmBev, Correios e Coca-Cola. Recebeu a Comenda CETRAN de segurança no trânsito e proferiu palestra a convite do Conselho Nacional de Trânsito no 1º Seminário DENATRAN de educação e segurança no trânsito para motociclistas.
Boa parte das expedições de hoje começaram com o Bozoka. Ele não só as fez, mas documentou e divulgou. Transformou isso em uma escola de viagens e muitos, Brasil a fora, compraram seus livros, inclusive eu, que tenho todos eles. Porém o que muitos não sabem é que a receita de todos os seus livros é destinada a crianças com câncer da Casa do Menino Jesus. Bozoka tentou por três vezes se instalar no Ceará. Na segunda tentativa começou com programa na TV Jangadeiro, mas não teve apoio para continuar. Quando a TV Diário tinha cobertura nacional eu morava em São Paulo capital e não perdia os programas do Bozoka, pois era o único que existia na tv brasileira voltado para a paixão pelas duas rodas e era feito no Ceará. De lá para cá nos tornamos amigos.
O livro na Trilha dos Incas, cuja viagem fora realizada em 2000, foi o primeiro que comprei e me jogou no mundo das grandes viagens. O objetivo não poderia ter sido melhor escolhido – Machu Picchu – inclusive por que atravessava a Amazônia. O Bozoka foi um dos inspiradores, junto com outros nomes como Ryo Harada – fundador do Motonline, a me fazer mudar de carreira de executivo de tecnologia para apenas o universo das duas rodas.
As Expedições
As viagens começaram em 1993 quando decidiu vir da Califórnia para o Brasil. Márcio Oliveira e Bozoka foram os protagonistas desta viagem. “O Desafio das Três Américas”, uma viagem entre São Francisco na Califórnia até Fortaleza no Ceará durou 51 dias e teve início no dia 28 de fevereiro de 1993 em frente ao café Puccini. Neste dia a ponte Golden Gate dava ‘adeus’ aos viajantes no início da US-5.
Em 2005 o então apresentador do Programa “Moto Notícias” da TV Diário, Bozoka, uniu o Oiapoque ao Chuí em uma motocicleta de 125 cilindradas. Bozoka saiu do Oiapoque levando um pouquinho da areia do extremo norte para misturar ao chão do extremo sul. Rodar no Brasil é sempre uma grande aventura. Brasileiros e suas mais diversas culturas e costumes foram encontrados ao longo dos 10.290 quilômetros percorridos por ele.
Muitos se espantaram pela aventura ter sido feita em uma moto de 125cc, que não é uma moto apropriada para viagens longas. Bozoka explicou a sua escolha. Segundo ele, “é uma moto brasileira de 125cc porque representa a realidade socioeconômica do brasileiro. O instrumento de trabalho da grande maioria das pessoas que utilizam esse meio para sustentar suas famílias”, justifica. Daí a escolha da Sundown Max 125 cc.
Em 2006 a expedição ao ‘Fim do Mundo’ e à frente deste ponto envolvendo moto, carro e navio, de Fortaleza à Patagônia e à Antártida retornando para Porto Alegre (RS). Foram 13.095 Km de estradas e mais de 2.240 Km de mar, cruzando mais da metade de todo o território brasileiro. Um continente com povos distintos, relevo, clima até ao Uruguai, Argentina, Chile e à Patagônia que é dividida entre ambos. Foi nesta expedição que Bozoka tornou-se o primeiro homem a pilotar uma motocicleta na Antártida. A moto em questão era uma TRAXX Fly 125cc.
No seu site www.bozoka.com.br o piloto informa que em 2014 estaria do outro lado do mundo – A CHINA – Seria a vez de explorar esse grande País. A proposta deveria ser viajar de moto desde Chengdu, Capital da Província de Shichuan, uma região ainda pouco conhecida e isolada do mundo devido às condições das estradas e à altitude, indo até Lhasa, Capital do Tibete com os seus mosteiros milenares e subindo a 5.000 metros no Monte Everest por estradas de terra, trilhas off Road, desertos e temperaturas oscilando entre -20 e 50+.
O Bozoka não é muito fã das redes sociais e pouco frequentava o Facebook e não lembro se tinha WhatsApp. Daí a dificuldade de encontra-lo. A última informação era uma oficina chamada Bozoka Motocenter que tinha em Fortaleza. O empreendimento não durou muito e Bozoka vendeu a sua parte na sociedade. De lá para cá não tive mais notícias dele.
A Era BOZOKA no motociclismo cearense
Os feitos de Bozoka abriram espaço para o que hoje acontece no Ceará. Muitos de nossos irmãos viajam cortando países e continentes. Há rotas de vários tipos e para todos os gostos. Outros vão percorrer a Rota 66, nos EUA. Cursos e palestras formam pilotos para grandes viagens e para sobreviverem ao caótico trânsito brasileiro e também campanhas de ação social. Hoje se fala em mototurismo, mas no tempo antes de 2010 chamávamos de aventurismo. Enfim, pessoas como Bozoka que levam e elevam o nome do nosso estado aos quatro cantos do mundo deveriam ter tratamento diferenciado. Aos poucos a meritocracia se instala no nosso estado, porém, ainda está muito longe de chegar ao modelo praticado nos EUA onde, por exemplo, um veterano de guerra é aplaudido, recebe bilhetes carinhosos de “muito obrigado” e são tratados com respeito pela contribuição que deram aos seus estados e ao seu país. Hoje a Assembleia Legislativa do Ceará através de deputados estaduais como Hermínio Resende e agora o deputado Bruno Gonçalves com a ajuda do Bebeto (Centauros MC) e de Sílvio Augusto (Anonymous MG), respectivamente, assessor parlamentar e jornalista Rádio Assembleia, vêm resgatando essas dívidas históricas.
Apesar de atitudes como essas fazerem parte do modelo ‘meritocracia’, não basta apenas o reconhecimento através de uma placa ou comenda. Há que se ter o respeito pelos feitos, pelo trabalho realizado e nisso as novas gerações ainda estão a dever. Essas pessoas ainda têm muito o que falar e ensinar. Antes de serem apenas motociclistas eles são sobreviventes, veteranos da guerra do trânsito, exemplos na vida e nas viagens pelo mundo afora. Ouvi-los nunca é pouco e dispensável. Como diria a música “Teatro dos Vampiros” do Legião Urbana “o que é demais nunca é o bastante”, principalmente quando tratamos de bons exemplos, pois “o futuro não é mais como era antigamente”; assim diz a música Índios também do Legião Urbana.
Pense nisso. Boas Festas!