Tirem as crianças e os motociclistas com a síndrome de “não viajo porque tenho moto pequena” da sala. A reportagem que vem a seguir é um tapa na cara destes: uma viagem de moto com uma Honda Biz. Mas não é qualquer ida ao supermercado para aproveitar seu pequeno bagageiro abaixo do banco. Foram mais de 30 dias e 9,3 mil quilômetros no lombo da motoneta, indo de Guaramirim (SC) a Uyuni, na Bolívia, do outro lado da América do Sul.
O protagonista desta viagem de cabra macho é Alfredo Souza, piloto da Biz e idealizador da jornada. Anteriormente, ele já tinha feito duas viagens de moto para o exterior, sempre com o modelo, e dessa vez queria chegar a Ushuaia, na Argentina. Fez contato pelo Facebook e achou cinco parceiros para a viagem e, depois de duas desistências, os permanecentes foram Samuel Hasse (CG 150 2008), Marcelo Borges (Teneré 250 ano 2014 com apenas 6 mil km rodados) e Cleber José Lulio (Teneré 250 ano 2011). Em conjunto eles concluíram que era melhor ter como ponto de chegada Uyuni. Então mudaram o roteiro, amarraram as bugigangas nas motos e pegaram a estrada.
A viagem
Ao todo, foram 36 dias de viagem e já no primeiro, quando os aventureiros foram de Guaramirim (SC) até Cascavel (PR), foram 640 quilômetros de estrada. A viagem começou às 6h30 da manhã e foram tomando café nas praças de pedágio para espantar o sono.
Uma coisa estava proibida na viagem: hotel. Todas as noites os amigos encontravam um lugar para dormir. Uma noite foi uma casa abandonada no meio do mato (com aparência de filme de terror), noutra uma tenda às margens da rodovia onde dormiram sob chuva e comeram melancia. Qualquer lugar aparentemente seguro podia ser camping por um dia. Quando estavam com muita sorte, conseguiam colocar suas barracas dentro do pátio da polícia local, garantindo um sono protegido.
Não faltaram, também, imprevistos. Logo no quarto dia do roteiro uma chuva molhou o cobertor de Alfredo, que depois precisou pegar carona na Biz por muitos quilômetros para ir secando com o vento. Alguns dias mais tarde, na cidade argentina de Salvador Mazza, um nativo tentou passar a perna nos brasileiros, dizendo que era preciso pagar uma alta taxa para sair da Argentina e ingressar na Bolívia. O valor era mentira, mas o tal seguro, não. Depois de muito procurar, os amigos encontraram um local para fazer o documento. Em seguida, durante a revista na aduana, uma pomba defecou sobre a folha da moto do Cleber, fazendo ele ter que imprimir novamente. Passado o melequento imprevisto, a viagem continuou.
Uma curiosidade comum quando fala-se em viagem de moto para outros países da América do Sul é o preço da gasolina. Em alguns lugares da Bolívia não foi fácil conseguir o precioso líquido, e quando era possível fazer a aquisição vinha com preço salgado. Na cidade de Villamontes, parada do grupo após Yacuíba, a gasolina para bolivianos custava 3,74 Bs e para estrangeiros 8,68 Bs. Há pouco tinham feito o cambio com o Bs cotado a R$ 0,57. Logo, o litro da gasolina para estrangeiros custava cerca de R$ 4,94.
Assim como D’Artagnan, Athos, Porthos e Aramis são quatro (e não três), nossos viajantes também são. Alfredo era o único com experiências internacionais em viagens de motos, enquanto os amigos não haviam realizado percursos superiores a 3mil km, sempre dentro do Brasil. O Samuel comprou uma moto em Brasilia e foi buscar ela lá, fora outras viagens que fazia pelo Sul e Sudeste com uma YBR. Marcelo está há vários anos sem moto e nunca tinha feito uma viagem de mais de 500 km. Cleber, por sua vez, fazia viagens pelo Sul e Sudeste, mas sempre em asfalto.
No décimo dia de viagem, um após conhecer Uyuni, depois de 180 km de estrada de chão e areia a uma velocidade média de 30 km/h, o grupo se separou. Dois foram pela Ruta 40, enfrentando 780 km de ripio (mistura de terra com cascalho), enquanto os outros seguiram pela Ruta 9, onde o caminho tinha asfalto. Se encontrariam em Cafayate. Marcelo e Cleber acabaram retornando ao Brasil precocemente e abandonando a viagem, pois estavam desgastados com o percurso e havia aparecido um vazamento no cano do radiador de óleo de uma das motos. Samuel e Alfredo seguiram viagem.
O ponto de chegada era o Salar de Uyuni, que já é bonito por si só. A ruta que dá acesso a ele tem “lugares muito bonitos com paisagens de tirar o folego”, segundo Alfredo. No local e caminho eles também conheceram outros atrativos muito belos, o Arco de Corais e o Cemitério de Trens, bastante procurado por turistas. Em Potosí, na Bolívia, enfrentaram uma cordilheira. Subiram até perto de quatro mil metros de altitude acima do nível do mar, onde armaram suas barracas em meio ao deserto.
Em seu relato em primeira pessoa, Samuel também elogiou outros trechos do caminho. Sobre Atocha, na Argentina, ele disse: “as paisagens deste trecho que passa por Atocha são lindas. Há muita vida selvagem. Tinha até uma avestruz com uns 20 filhotes que quando me viram saíram correndo. Muito bonito mesmo”. Sobre outros pontos, na Bolívia, comparou a paisagem de arenito desgastado pelo vento com a superfície da lua.