O internauta é o grande vencedor desta eleição.
Nestas eleições o grande vencedor é a internet. Ela teve papel decisivo para que a comunidade da Web 2.0 pudesse interagir, debater e exercitar uma parte da cidadania que antes estava restrita apenas às opiniões dos jornalistas e dos veículos de comunicação convencionais.
Para quem não lembra, antes de começar esta eleição, houve uma tentativa de amordaçar a Internet para evitar que blogs, twitter´s e sites viessem a manifestar livremente a sua opinião. Isso incomodava uma parte dos partidos políticos e outra parte da imprensa que desejava manter o poder que tinha antes, o qual, era não apenas informar ou formar opinião, mas também capaz de decidir uma eleição. Alertei a tentativa de amordaçar a internet na coluna Por que querem controlar a Internet? . No primeiro parágrafo dessa coluna, publicada em julho de 2009, eu destacava que ultimamente os olhos de alguns governantes estão voltados para o controle da internet. As ditaduras e os regimes fechados buscam controlar o incontrolável. Quem controla a informação tem poder e por isso muitos governantes que passaram pela história da humanidade desejaram ardentemente poder manter sob seus domínios a censura e a deturpação dos fatos. Muitas coisas que pensávamos ser verdade hoje são desvendadas com a ajuda da Internet. Muita gente não gostou de ver fatos históricos antes tidos como verdade absoluta. Agora, discutidos, desmentidos e desmantelados. A Internet trouxe a democratização da informação e com ela elevou-se o espírito crítico e investigativo das pessoas a ponto de transformar muitas profissões, inclusive o jornalismo que hoje precisa ser ainda mais ágil com a entrada da concorrência dos blogs.
A minha opinião foi, é e sempre será a máxima de que querer controlar a Internet é o mesmo que tentar fazer com que as pessoas deixem de desejar, deixem de sonhar, deixem de pensar, deixem de querer saber mais e melhor a respeito de um mundo em constante transformação. É fazer a humanidade retornar aos tempos da Idade Média onde um livro, sem fundamento nenhum, caçava bruxas, a maioria mulheres e a venda de indulgências buscavam ‘lotear o paraíso’ em troca de dinheiro. A Internet, caros leitores, é uma ideia que calibre nenhum, regime nenhum, ditador nenhum pode matar por que ela representa a própria essência do ser humano, seja ela de boa ou má índole.
E assim foi até que em outra coluna, em setembro de 2009, eu tratei do tema de forma mais dura e incisiva. Na coluna Censura na web: Não podem nos calar, nunca! Eu destaquei que desde que a Internet brasileira passou a ser o principal meio para divulgação de denúncias e a mais genuína forma de liberdade de expressão, algumas autoridades começariam a buscar uma maneira de tentar controlá-la. Algo estranho estava acontecendo no Brasil. Os nossos ditos representantes que deveriam proteger a liberdade e a livre manifestação do pensamento (respeitados os limites do que se enquadra em crime) vinham tentando amordaçar a web.
Na época o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse no acórdão da decisão do STF que considerou inconstitucional a Lei de Imprensa que “Silenciando a Constituição quanto ao regime jurídico da internet, não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias, debate, notícia e tudo o mais que se contenha no conceito essencial da plenitude de informação jornalística no nosso país.” O parecer do ministro foi ignorado pelos relatores do projeto que regulou a campanha de 2010; dentre eles Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Marco Maciel (DEM-PE), nas comissões de Constituição e Justiça e Ciência e Tecnologia, que se reuniram em sessão conjunta e cujos integrantes aprovaram os respectivos pareceres.
A matéria iria imediatamente para votação em plenário, mas a manobra não deu certo. Foi adiada por iniciativa do líder tucano Arthur Virgílio, a fim de dar tempo para a apresentação de uma emenda destinada a libertar a internet das restrições válidas para o rádio e a TV. O líder do PT, Aloizio Mercadante, pediu a retirada do artigo que reproduz o dispositivo da Lei Eleitoral de 1997, proibindo na rede a propaganda política e a manifestação de opiniões sobre os candidatos. O relator Azeredo defendia um absurdo: “os textos na internet serão livres como os da mídia impressa, mas a web TV e web rádio seguiriam as normas válidas para a mídia eletrônica convencional.” Um verdadeiro absurdo, pois a internet não é concessão pública!
Os políticos são mestres em proteger os seus interesses. As comissões do Senado pelas quais tramitou a reforma eleitoral confirmaram o dispositivo aprovado na Câmara que autoriza os partidos a receber doações mantendo os doadores no anonimato. Esta manobra sórdida dribla a exigência de prestar contas de suas campanhas. Para o presidente do Colégio de Tribunais Regionais Eleitorais, desembargador Alberto Motta Moraes, os partidos encontraram uma forma de “oficializar as irregularidades”. Ou seja: legalizaram o caixa 2 e a maracutaia. O senador Eduardo Suplicy forçou a inclusão de uma emenda que bania as chamadas doações ocultas, mas não deu certo.
Apesar de todos os esforços, verdadeiros ou não, a Reforma passou.
No manifesto que circulou pela internet destaquei ainda outro parágrafo: “A Internet constitui uma infraestrutura para uma mudança social, superior à dos meios de comunicação de massa do Séc.XX. Não são os jornalistas que sabem tudo que são procurados, mas sim aqueles que comunicam e investigam. O Art. 5º da Constituição germânica não contempla direitos protetores para profissões ou modelos de negócio tecnicamente tradicionais. A Internet ultrapassa as barreiras tecnológicas entre o amador e o profissional. É por isto que o privilégio da liberdade de imprensa se deve aplicar a todos os que possam contribuir para a concretização das tarefas jornalísticas. Em termos qualitativos, não deve ser feita distinção entre jornalismo pago e não pago, mas sim entre bom e mau jornalismo.”
E na época lancei a seguinte reflexão:
Será que esse mundo que estamos construindo ou que deixamos construir é realmente melhor? Onde estão os rebeldes, os opositores, os revolucionários? Onde estão aqueles que no passado colocaram suas vidas em risco pra dizer “Ei ! Isso está errado!” Hoje perguntamos “que mundo deixar aos nossos filhos?” Mas eu prefiro pensar diferente e perguntar: “Que filhos estamos deixando para o mundo?” Engana-se quem acha que jornalista não tem candidato. Tem sim. Só acreditaria em isenção completa se o jornalista votasse nulo ou não precisasse votar. Enquanto isso não acontece, jornalistas podem e devem sim manifestar suas preferências, mesmo que seja nenhuma. A Carta Capital fez isso e já foi punida, mas continua a manifestar suas opiniões, sem medo. Se você não concorda, não a leia. Simples assim. Independente de tudo e daqueles que desejam controlar o incontrolável, pois a web representa o nosso pensamento, o medo dos que ocupam cargos eletivos ou posição de relevante influência, estará sempre relacionado ao crescimento do espírito critico de um povo e isso se dá apenas e somente, através da manifestação de opiniões através da liberdade de expressão.
Setembro de 2010 – Um ano depois: o que mudou?
Com o fim da possibilidade de censura e a descoberta da melhor forma de debater e promover através do Twitter, a campanha na internet pegou fogo. Por várias vezes vimos manchetes de jornais serem debatidas e até julgadas em seu propósito de informar; jornalistas serem questionados, afirmações de candidatos desmentidas etc. Isso aconteceu de todos os lados. Nem as pesquisas escaparam. Alguns institutos tiveram sua credibilidade abalada por tentarem entrar na campanha se fazendo de isentos e logo em seguida vinha outra pesquisa que mostrava um cenário diferente. Antes esta discussão estava limitada a bares e praças, agora ela é em tempo real.
Muitos jornalistas que não estavam acostumados a verem as suas opiniões discutidas, debatidas e questionadas acharam tudo isso um absurdo e tacharam os blogs de sujos, militantes zumbis e por ai foi. Como se isso não bastasse, algumas práticas erradas acabaram caindo por terra. Tentaram criar blogs e twitterfakes para disseminar mensagens falsas. Não colou. Os próprios internautas denunciaram, desmentiam e a ação perdeu força. O mais impressionante é que os blogs, que antes já tinha sido mote de uma campanha de gosto duvidoso do Estadão e que eram execrados por boa parte dos veículos tradicionais de comunicação, ganharam tanta força que hoje boa parte dos jornalistas tem blogs ligados aos sites de redes de comunicação. Os blogs que já eram vistos como concorrentes marginalizados de poderosas redes de comunicação passaram a ser taxados de sujos ou limpos de acordo com o interesse de cada um e etc. Ou seja: se ele é contra é sujo. E isso independe de bem e de mal; de partido A ou B ou C.
A ferramenta blog casada com o Twitter se configurou, juntamente com as redes sociais, no maior pesadelo contra as ações que buscavam a manipulação da informação (seja de que lado for) mesmo sendo a Web um privilégio para poucos no Brasil. Um recado da comunidade foi claro – a Web exigia que mostrasse a cara e se posicionasse, caso contrário não teria credibilidade. A aparente postura de isenção era tida como uma ‘falsidade’ e nenhum dos lados aceitava isso e eu concordo com a comunidade.
O que eu aprendi com os internautas nesta eleição
Qual não foi a minha surpresa ao descobrir o quanto maravilhosa foi essa experiência tanto civicamente como profissionalmente. Dessa forma descobri e entendi claramente por que é muito mais fácil expor-se e ser respeitado por isso do que fazer de conta e tentar enganar o internauta ou o leitor. O texto não nega que posição você adota, mesmo que você apenas use 140 caracteres. Na Web as pessoas são inteligentes o bastante para perceber e saber separar o que é isento daquele que assumiu uma posição ou candidato. Outros que não quiseram assumir posição não publicaram nenhuma linha sequer (contra ou a favor) sobre eleições no Twitter e mesmo em seus blogs pessoais.
Outros jornalistas que já estavam acostumados ao sistema de blogs e fóruns deram à cara a tapa e assumiram posições. Bateram e apanharam, mas continuaram sendo respeitados por isso, diferentemente de boa parte da mídia convencional que tentava vender uma imagem de isenção apenas para inglês ver. Quem primeiro se posicionou foi a Carta Capital, recentemente o Estadão também fez o mesmo. Mas foi só isso. O restante continua tentando vender a imagem de neutralidade – coisa que ninguém acredita. O candidato Plínio alertava que não era a ameaça à liberdade de imprensa que o preocupava, mas a omissão de boa parte das informações.
Na análise de Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo, ao falar a respeito da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e até do direito a informação nestas eleições ele destacou que a “A mídia está engajada e tem um candidato, o Serra, com isso se perdeu o equilíbrio e é desse embate que nasce a intranquilidade, mas ela é transitória”. Sim, ela é transitória independente de quem venha a ganhar. Um fato em particular eu gostaria de citar apenas a título de exemplificação do que Lembo fala. A Carta Capital, por ter se posicionado, foi alvo de uma solicitação esdrúxula da vice-procuradora geral eleitoral, Sandra Cureau. Ela pediu os contratos da Carta Capital com o Governo alegando denúncia anônima. Mesmo assim, tais contratos são públicos e facilmente acessíveis. Porém ela não pediu ou sequer analisou os contratos de compras de assinaturas de jornais e revistas destinadas a escolas de São Paulo feitas pelo Governo daquele Estado. Detalhe: a resposta da Carta Capital foi curta, gentil e legal (dentro da lei). Nenhum outro veículo de comunicação repercutiu isso.
As denúncias feitas pela imprensa – corretas ou não, tendenciosas ou não pois cabe à justiça apurar primeiro – precisavam e precisam sim vir a público, mas deveriam ter sido levantadas todas as denúncias e de todos os candidatos. Não se pode vender isenção política e muito menos imparcialidade quando apenas uma candidatura é investigada e as outras não, pois todas as candidaturas têm seus podres a esconder – TODAS e sem nenhuma exceção, independente da gravidade. Vale destacar que Imprensa não é poder constituído, ela faz parte de um trecho constitucional ligado à liberdade de expressão, principalmente depois que a Lei de Imprensa – que vigorava desde a época da Ditadura, foi revogada. Jornalista não é autoridade e só pode ser tratado assim em razão, única e exclusivamente, da sua credibilidade. Quando se está na vida pública, só escapa de investigação aquele que nada fez de errado e esse personagem está cada vez mais difícil de ser achado. Quantos anos serão necessários para repararem um instante?
A essência da coisa
Não quero e não vou tratar de nenhum caso em particular, mas da essência da coisa. Um fato é inquestionável: a Web mudou definitivamente a forma de fazer campanha política neste país. Se a Web continuar livre como está, a imprensa continuará livre e a liberdade de expressão também. Todos nós ganhamos com isso. Uma coisa é certa: independente do resultado que venha a sair destas eleições, o brasileiro ficou mais politizado e foi extremamente prazeroso debater, ler, entender, criticar, ser criticado, acertar, errar, pedir desculpas enfim, exercer o debate na sua plenitude sem as ofensas comuns que estávamos acostumados a ver. A experiência em fóruns e escrevendo para um público como o daqui ajuda muito ao profissional a lidar diretamente com isso e foi uma vantagem na incrível experiência de como seria debater, via Twitter, publicamente, em um processo eleitoral.
Eu queria destacar aqui dois jornalistas (independente do lado em que estejam ou estarão) pela coragem de se posicionarem e inclusive darem RTs em mensagens de twitter´s que os criticavam até de forma pesada – Ricardo Noblat e Paulo Henrique Amorim. Estes dois souberam captar o espírito da coisa e surfaram de forma interativa respeitando todas as opiniões em contrário e ainda suportando toda sorte de críticas – literalmente deram a cara a tapas.
Fiquei deveras impressionado – digo isso positivamente – com a qualidade da discussão na Web e Twitter, inclusive dos partidos ditos de oposição ao governo. Um maravilhoso exercício de democracia! Mas esse maravilhoso exercício da democracia aconteceu apenas na Internet e pelas mãos dos internautas, independente de que classe ou profissão venham a ter. O mesmo eu não posso dizer dos veículos ditos convencionais.
A Internet e a comunidade Web 2.0 e suas redes sociais em conjunto com o Twitter foram os grandes vencedores dessa eleição, independente de partido, credo, paixão ou o que quer que seja. Parabéns a todos nós internautas que souberam, sem precisar de monitoramento ou censura, realizar um dos melhores debates entre eleitores já realizados, de forma inteiramente popular. Todos nós vivemos o momento histórico ao participarmos da primeira eleição onde a internet teve um peso fundamental, não no resultado final, mas na reformatação de como serão as eleições daqui para frente. Eu queimei a língua, pois não apostava que uma eleição acirraria os ânimos mais do que uma Copa do Mundo. A prova foi que essas eleições estiveram no trendtopics do Twitter várias vezes.
Está sendo um show de democracia, liberdade de expressão e por que não dizer de criatividade! Exatamente por isso posso afirmar: o internauta merece destaque como o melhor jornalista desta campanha.
(*) Importante: a minha opinião não reflete, necessariamente ou por consequência, a opinião dos demais integrantes do Fórum PCs sejam eles redatores, articulistas, colunistas e administração. Ela é fruto da minha análise pessoal como colunista, twitter, blogueiro, cidadão brasileiro e da liberdade de expressão desfrutada neste portal e neste país.