A moto como carro: O que a recomendação do Ministério Público não viu e deveria ter cobrado.
O Ministério Público do Ceará (MP-CE) expediu uma recomendação ao superintendente do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), ao presidente da Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania (AMC) e ao comandante da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) exigindo uma fiscalização mais intensa com relação a infrações de trânsito que colocam a vida de motociclistas em risco. Até aqui uma ótima, louvável e necessária iniciativa.
O foco da recomendação é o cumprimento do Artigo 192, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que determina a aplicação de multa ao condutor que “deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo”. O promotor de Justiça, Gilvan Melo, assina o documento junto com os promotores José Aurélio da Silva, Francisco Romério Pinheiro Landim e Edílson Santana Gonçalves.
Na matéria veiculada pelo Diário do Nordeste, no dia 25 de agosto de 2014, o Detran-CE, através do assessor de comunicação do órgão, Paulo Ernesto Serpa, destaca que o monitoramento dessa distância mínima não está previsto no Código de Trânsito e isso dificulta o monitoramento das infrações.
Segundo Paulo Ernesto, “Alguns estudiosos nessa área falam de uma distância de 5 metros, no caso dos carros. E há alguns que estabelecem o dobro, 10 metros, para motos. Mas não há nada específico na lei”, critica.
Para piorar a situação não temos um sistema viário que comporte estas medidas alegadas como mínimas. Claramente apontados como foco da ação, os motociclistas de Fortaleza prometem seguir o que manda o Código e andar como carro ocupando o espaço de pelo menos 5 metros destinado a esses veículos. A demonstração de que a teoria na prática agrava a questão da segurança poderá ser sentida no dia 13 de setembro nas avenidas Dom Luiz e Santos Dumont onde estima-se que cerca de 500 motociclistas e mototaxistas deverão circular andando como carros. O evento contará com o apoio da União dos Motociclistas Cearenses e do Sindicato dos Mototaxistas de Fortaleza.
Mas isso terá um custo não observado pelos promotores que assinaram a recomendação. Vamos a eles:
Moto andando como carro.
A grande vantagem da motocicleta no sistema viário – o que chamamos de evento moto – está na sua inegável agilidade e mobilidade urbana. A moto andando como carro e respeitando a distância recomendada pelos estudiosos, de cerca de 5 metros, irá transformar o já caótico trânsito de Fortaleza em um completo caos.
Elevação das batidas de traseira
A maioria dos motoristas de Fortaleza utiliza o celular ao volante para realizar chamadas, enviar torpedos, mensagem e para acessar as redes sociais enquanto dirige e isso tem sido o principal motivo de acidentes. Para agravar o cenário, o tipo de película adotada aqui em Fortaleza é a mais escura possível, o que impede o agente de trânsito de multar pois, simplesmente, não consegue ver nada. Com relação as batidas de traseira, elas são a maioria no trânsito do Ceará, ocorrendo uma média de 20 por dia e são causadas na sua grande maioria pelo uso incorreto do celular. Se o motorista não enxerga o carro da frente, não irá enxergar a moto e a chance de ter um motociclista atropelado, ferido gravemente e até mesmo morto aumenta consideravelmente. Isso não foi levado em consideração.
Prejuízo para mototaxistas.
A grande vantagem da moto é o seu alto poder de mobilidade no trânsito urbano. Assim os mototaxistas seriam os primeiros prejudicados diretamente. O mesmo vale para os serviços de motoboy e motofrete que deverão ter as suas entregas atrasadas de forma a prejudicar prazos e contingências para documentos, peças e itens necessários a operacionalização da quinta capital do Brasil. A internet não cobre tudo e nem digitaliza e envia tudo que precisamos.
Impacto direto na venda de motos
Motos andando como carros perderão seu atrativo principal. O país vive uma crise no PIB e o setor de Duas Rodas amargam prejuízos há 3 anos seguidos. Esta medida desestimula, em razão das multas e da limitação da mobilidade das motocicletas, a sua venda e, como consequência, teremos uma acentuada queda nas vendas além de um incremento de usuários no já caótico transporte urbano da capital.
Choque com um veto presidencial
A recomendação é inconstitucional, pois pede-se aos órgãos responsáveis pelo trânsito em Fortaleza que cumpram a lei e façam seu serviço, sob a alegativa que a falta dessa fiscalização acarreta o incremento dos acidentes, o que, em parte é verdade. Porém, o veto presidencial feito pelo então mandatário da nação o Sr. Fernando Henrique Cardoso, visava preservar a moto na sua mobilidade urbana e ainda evitar acidentes como os de traseira, por exemplo, os quais são considerados ainda mais graves por conta das sequelas e pelo alto índice de ferimentos graves, com maior incidência para a paraplegia.
Não recomendação direta para fiscalização das CNHs
Os promotores, na sua recomendação, esqueceram que temos 300 mil pessoas rodando sem CNH. E isso não foi tocado. Há ainda milhares de veículos com emplacamentos atrasados há vários anos e para piorar estão circulando livremente. Temos muitos carros roubados e outros com mandatos de apreensão em aberto por inadimplência em financiamentos. Tudo isso contribui diretamente para a elevação dos acidentes de trânsito. Também esqueceram de estimular a categorização da CNH para motos de acordo com as cilindradas, tipo: A1, A2 e A3.
Ausência de recomendação de ações educativas mais consistentes
Nenhuma ação válida efetivamente para educar melhor o cidadão para o trânsito foi elencada na recomendação. Basta lembrar que quem mais morre no trânsito no mundo são os pedestres e não os motociclistas como alega a matéria. Uma delas, a qual o MP poderia exigir e, com certeza, teria o nosso aplauso, seria a inclusão da disciplina de Educação de Trânsito nas Escolas Municipais, Estaduais e Particulares e que seriam financiadas com recursos do DPVAT. A razão é simples: agindo assim estaremos preparando um pedestre melhor, um melhor motociclista e motorista e com isso um cidadão melhor.
Vale ressaltar que também foi esquecido pelo MP de exigir relatórios e auditorias de fiscalização das verbas do Seguro-DPVAT com o foco de evitar fraudes. Sabe-se que várias empresas hoje vivem disso e estão às portas dos hospitais à caça de possíveis vítimas para entrar com ações para receber o DPVAT. Já há uma boa parte delas onde uma simples queda da própria altura virou um acidente de moto e/ou um atropelamento.
A medida atinge motoristas e motociclistas em vias mal planejadas
O binário – Dom Luiz e Santos Dumont, apesar de antiga reivindicação da população cearense foi realizado com falhas. Uma delas foi a exclusão das motos e a inserção de uma ciclovia que acabou com a distância lateral entre carros. Neste caso, o agente de trânsito, na fé pública que lhe é outorgada, poderá, a seu critério, multar todos os veículos alegando que a distância regulamentar segura não foi observada. E é aqui que irão sofrer os motoristas.
E por último, cabe aos legisladores – no caso Deputados e Senadores – a definição dessas distâncias e seu detalhamento de acordo com a via, o clima e etc. Coisa que não existe, ainda. Assim, em que peses a recomendação ela se torna vazia, pois não há como arbitrar uma distância que não foi regulamentada.
Não somos carentes de leis, mas de falta de atitude e autoridade. De soluções que ardem e não curam já estamos cheios.