As “Cafe Racers” nas Clássicas do Otoch
Na minha primeira coluna, quando falei sobre a história da Honda CB 750, comentei sobre as “Cafe Racers” e ressaltei que o “cafe” é sem acento agudo, mas não me aprofundei no assunto, prometendo que um dia explicaria o motivo. Pois bem, hoje vou contar um pouco sobre a história desde movimento e explicar o porquê da origem deste nome que é muito confuso até mesmo para pessoas apaixonadas pelo estilo, chamado por alguns de “café racer”, “coffee racer” e por aí vai. Tudo começou na Inglaterra dos anos 1950, com um grupo de jovens rebeldes, malvistos pela imprensa e pela sociedade de sua época por curtirem adrenalina, rock’n roll (que acabava de surgir) e também por terem o hábito de “roubarem” as filhinhas dos senhores mais conservadores e as levarem nas garupas de suas motos envenenadas.
Com o fim da primeira guerra (em 1918), as coisas na Inglaterra começaram a voltar ao normal e as antigas estradas começaram a ser mais usadas para deslocamento de mão de obra e mercadorias por conta da retomada da indústria local. Os carros já não eram mais “carroças sem cavalos” e as motos já mais potentes do que as primeiras bicicletas motorizadas. No início dos anos 30, a coisa já era bem diferente, com carros mais potentes, motos mais robustas e caminhões circulando por todo o país. Com isso, as estradas tiveram que sofrer uma grande atualização pra que suportassem o aumento do número de veículos que passavam a circular por todo o País, dando origem então a um novo e “moderno” sistema viário da Inguaterra, com estradas de terra batida que levavam às outras cidades sendo agora pavimentadas e sinalizadas.
Os postos de beira de estrada que se chamavam cafes
Esta mudança levou ao crescimento inevitável também do número de postos de gasolina e das lanchonetes de “beira de estrada”, denominadas na Europa de “cafes” (sem assento, já que não se refere ao grão da fruta ou à bebida “café”, pois na língua inglesa estes se chamam “coffee”). Como os caminhões da época eram bastante lentos, as viagens levavam muito tempo. Com isso, logo começaram a surgir diversos cafes de dois em dois quilômetros, que não eram usados como pontos de encontros sociais, mas sim como locais de alimentação e descanso para motoristas e caminhoneiros que passavam por ali durante suas viagens. Estes cafes costumavam abrir apenas durante o dia e alguns poucos ficavam funcionando por uma ou duas horas depois de anoitecer para faturar um pouco mais atendendo mais alguns clientes, mas não até muito tarde.
Este crescimento econômico deu origem também à ascensão da cultura jovem. No início da década de 30 a Inglaterra começava a sair da Grande Depressão. Os homens jovens estavam agora de volta ao trabalho com salários decentes, sobrando assim algum dinheiro pra ser gasto com diversão. Nessa época também estavam disponíveis muitas motocicletas antigas a preços acessíveis. Além disso, dezenas de marcas começaram a vender motos novas em todo o País. Com rodovias pavimentadas e sinalizadas, logo os jovens começaram a usar seus carros e motos para passear com suas namoradas nos fins de semana, em viagens curtas entre cidades próximas, mas nada muito radical. Estes eram chamados de “Percys Promenade”, que pegavam suas motos e namoradas e iam passar uma agradável tarde de domingo nos resorts de praia, num passeio pacato onde aproveitavam para mostrar seus veículos uns aos outros. Ao mesmo tempo, o número crescente de marcas da indústria automotiva de todos os tipos fez com que os esportes motorizados se tornassem uma febre com as corridas tornando-se muito populares.
Mas como nem só de diversão se vive a humanidade, esse clima pacato teve uma parada abrupta em 1939, quando um nanico sem noção chamado Adolf Hitler resolveu “dominar o mundo”: começava a Segunda Guerra Mundial. Logo a indústria de motocicletas da Inglaterra (assim como quase todas as outras do País) foi assumida pelo governo por causa do esforço de guerra. Toda empresa que trabalhasse com metal e/ou motores agora se concentravam na produção de armas e veículos militares. Os jovens motociclistas trocavam suas jaquetas de couro por fardas verdes. E assim, o mercado de motores praticamente sumiu do mapa, assim como seus consumidores. Mesmo após o fim da guerra, em 1945, diversas fabricantes de motos não voltassem a produzir mais nada, já que a duração do conflito foi tempo suficiente para arrasar a economia de praticamente todo o continente europeu.
E depois da WWII vem o TT – Tourist Trophy
Assim como havia acontecido há poucos anos atrás, com o fim da Segunda Grande Guerra, a economia começava aos poucos a voltar ao normal. No início da década de 50 já começavam a se firmar novamente algumas marcas de motos no mercado, como as BSA Gold Star, Norton, Velocette Venom, Triumph Tiger 110 e outras. No mesmo período, os jovens, que acabavam de voltar de uma guerra violenta, começavam a reconquistar seus trabalhos mais bem remunerados e assim possuir um dinheirinho extra de sobra. Ao mesmo tempo, as corridas de rua se tornavam uma verdadeira paixão nacional. Só que agora as máquinas admiradas em famosos campeonatos como o Tourist Trophy (conhecido e admirado até hoje por suas perigosas corridas, sendo uma das mais clássicas na Ilha de Man, no Reino Unido) poderiam ser compradas em qualquer concessionária no País.
Os rebeldes motociclistas começam então a adquirir suas máquinas de corrida e ir aproveitá-las nas estradas. Neste contexto surge a novidade que a partir de então mudaria o mundo e assustaria os “tiozões” mais conservadores como acontece até hoje (e provavelmente acontecerá pro resto da existência humana): o amado e odiado “ROCK’N ROLL”! YEEEEEEEEEEAH! (ops… perdoem-me o lapso pela empolgação… prometo que vou manter a compostura…) juventude + adrenalina + Rock + motocicletas = equação perfeita para o surgimento de um movimento que mudaria a história para sempre.
“Ace Cafe”
Os cafes, antes freqüentados apenas por alguns viajantes, deixam de ser simples lanchonetes e agora passam a ser pontos de encontro dos donos de motocicletas. E as estradas, suas pistas de corrida. Cada cafe tinha sua própria turma, que costumavam disputar corridas entre si e contra membros de cafes diferentes. Como preferiam correr à noite, já que o trânsito era praticamente inexistente, os cafes começam a ficar abertos durante a noite, estendendo os horários para cada vez mais tarde. Um dos mais famosos e que funciona até hoje é o “Ace Cafe”, em Londres, que foi um dos preferidos pelos primeiros Rockers por desde sempre permanecer aberto durante as 24 horas do dia. E pra não deixar a turma dormir, suas jukeboxes (antigas “caixas de música” onde se colocava uma moeda e escolhia uma das músicas dos discos disponíveis) eram “carregadas” com os discos dos mais novos astros do pedaço, os pioneiros do rock como Gene Vincent, Chuck Berry, Jimmy Preston, Jackie Brenston, Eddie Cochran, Elvis Presley e muitos outros ídolos da época! (OBS: não me venha falar de Beatles, pois não curto “boy bands” pop, mesmo que dos anos 50/60… podem me apedrejar! Não ligo!)