Histórias de Motocicleta – A Bruxa de Itaquitanduva
(*) Por Luiz Almeida
Entre Praia Grande e São Vicente, no início dos anos 80, havia uma estreita estrada de quatro quilômetros até chegar na Ponte Pênsil. Era o único trecho urbano em que o uso do capacete era obrigatório, pois era considerado rodovia estadual. Lembro-me que ali por perto, havia uma fazenda de banana, pouco antes de um antigo curtume. Com alguns amigos, fui ajudar a preparar uma festa junina por lá e entre os preparativos e algumas cervejas, apareceu uma doidinha meio que perdida vindo, segundo ela, de uma praia, certamente Itaquitanduva, depois do morro Xixová Mirim.
Fizemos uma brincadeira interessante. Como ela estava com alguns arranhões causados pela dificuldade da caminhada na mata, alguém recomendou-lhe um banho. A moça tirou a roupa e foi banhar-se nuinha em pêlo num pequeno tanque que havia no local. A turma começou animadamente a ensaboar a moça e já havia até gente providenciando xampu – quando apareceu a mulher do caseiro para desfazer a festa…
Eu estava de DT 180, novíssima moto recém lançada e a primeira a ter suspensão monochoque no Brasil, assim como o amigo Arnaldo Gasparini.
Pouco depois da intervenção da caseira o tempo virou literalmente. O entardecer escureceu de repente, nuvens negras baixaram junto com uma forte ventania. Eu e Arnaldo resolvemos ir embora. Na estradinha vicinal de acesso ao asfalto, o vento derrubava bananeiras nos obrigando a passar por cima dos troncos caídos.
Ao chegarmos na pista, nem deu para nos despedirmos tamanho era o barulho dos trovões. A tempestade desabou de vez. Arnaldo pegou à direita, em direção a São Vicente e eu à esquerda, para Praia Grande. Eu só enxergava a pista com a ajuda dos clarões dos relâmpagos. A chuva doía tanto na cara que suponho ter enfrentado granizos. Quando contornava o trevo de entrada de Praia Grande cheguei a ver o vento derrubando uma imensa placa do governo do Maluf propagando a construção da Ponte Sobre o Mar Pequeno.
Assustei-me quando, num clarão de relâmpago, vi claramente a silhueta da nossa maluquinha, completamente nua, na beira da estrada, debaixo de uma árvore grande. Tudo escureceu novamente para logo em seguida espocar outro fortíssimo clarão, desta vez seguido instantaneamente de uma explosão de raio que atingiu e derrubou a árvore em que aquela estranha silhueta de mulher contemplava a intempérie. Deu para ver que o tronco da árvore fumaçava e eu, com o coração a saltar, não sabia se voltava para socorrer a infeliz ou se seguia rapidamente para a proteção de casa. Parecia que o tempo havia parado. Nessa angústia interminável, neste dilema de vida ou morte, acordei-me bruscamente com a respiração ofegante.
Ainda chovia forte quando acordei desse pesadelo no meio da noite. Assim que minha calma voltou, lembrei-me de que havia chegado em casa a salvo. Encharcado até os ossos, mas a salvo.
No dia seguinte, com o tempo bom, ao passar novamente pelo trevo de entrada de Praia Grande, notei que havia bombeiros desimpedindo a pista por causa de uma árvore caída. Um arrepio correu-me o corpo. Será que a doidinha que apareceu vindo das bandas do Xixová era bruxa? Ou bruxa seria a mulher do caseiro? Yo no creo en brujas, pero que…
LUIZ ALMEIDA – Nascido em 1957, Luiz Almeida começou no motociclismo aos 20 anos de idade, em 77, e daí nunca mais parou. Teve como primeira moto uma CB450 DOHC ano 69, com a qual teve algumas alegrias e muitas frustrações. Por suas mãos também passaram Harley-Motovi 125 ano 78, Harley Davidson 1200 ano 49, RD 350 ano 74, DT180 ano 82, XL250R ano 83 , XLX350 ano 88, Sahara ano 96, Falcon ano 2000, XT600E ano 2000, XT660R ano 2007, além de uma Shadow 600, motocicleta de estimação, que teve concomitantemente com as três motos anteriores. Viajou muito com uma Suzuki DL650 V-Strom ano 2009 e agora anda de BMW.