MÁRIO SÉRGIO FIGUEREDO – Vença o “desafio” de comprar uma moto longe de casa.
Quando se quer comprar uma moto nova ou semi-nova é fácil, basta ir até uma concessionária para escolher a cor ou pegar algum jornal de classificados e escolher entre as dezenas semi-novas anunciadas. Mas quando se quer comprar uma moto mais antiga, já fora de linha, em bom estado de conservação e pouco uso, o trabalho para achar uma inteira é árduo, mas que no final torna-se gratificante.
Companheira para todas as horas, para todos os lugares
Pois a história que vou contar é de como foi comprar a minha atual moto, uma Honda NX 350 Sahara, ano e modelo 1999 (a última fabricada), roxa, com 21 mil km originais de fábrica na época.
Foto tirada no dia seguinte à compra
Não foi fácil achá-la! Estabeleci como meta uma Sahara anos 98 ou 99 com menos de 25 mil km rodados e em ótimo estado. Com essa referência fui à luta.
Comecei procurando na minha cidade, mas as poucas que achei os donos pediam muito, algo em torno de R$ 8,5 a 9 mil. Me recusei a pagar tanto e resolvi procurar em outras cidades, estendendo minha busca em sites na web, comunidade da Sahara no Orkut, amigos que procuravam em vários cantos do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Como resultado dessa busca apareceram quatro motos, duas em São Paulo, uma em Cubatão (SP) e outra em Alfenas (MG). Resolvi ir vê-las pessoalmente e no sábado embarquei para Sampa à meia-noite, chegando às 6 horas da manhã. Coloquei minha bolsa num guarda-volumes automático pois ela estava bem pesada por causa do capacete, capa de chuva, jaqueta de couro e luvas, tudo acondicionado dentro e pronto para ser usado na volta.
Combinei com os donos das Saharas de Sampa que os encontraria no Anhembi, mas nenhum dos dois apareceu. Depois fiquei sabendo que um desistiu da venda e o outro vendeu na sexta-feira.
Minha fiel companheira já me levou a lugares maravilhosos
Tomei um café-da-manhã paulistano (pão francês com manteiga e café com leite no copo americano – daquele que queima a mão) e fui ao mercado de carros e motos que funciona no estacionamento do Anhembi no domingo pela manhã – fiquei assustado com os preços da entrada: moto R$ 25, carro R$ 69 e caminhão R$ 85, um verdadeiro assalto.
Dentre aproximadamente 400 motos à venda, achei apenas 3 Saharas, todas em estado lastimável, deu até dó de ver motos tão maltratadas. Eram muitas motos, de todos os tipos e anos e algumas mexeram comigo e se pudesse gastar um pouco mais, teria me abraçado com uma delas: Duas Suzuki Freewind, uma azul e outra prata, lindíssimas e ambas com menos de 20 mil km rodados, a azul por R$ 18 mil e a prata R$ 16 mil e que parecia ter saido da fábrica naquele instante de tão inteira que estava. Outra que fiquei apaixonado foi uma Yamaha TDM 850 prata, por R$ 22 mil, moto fabulosa.
Fiquei no Anhembi até umas 11 horas e voltei para o terminal Tietê com a decisão de ir até Cubatão e caso não desse negócio, voltaria a Sampa no domingo mesmo e iria para Alfenas naquela noite.
Chegando ao Tietê descobri que o ônibus para Cubatão saia do Terminal Rodoviário Jabaquara. Lá fui eu de metrô – já estava cansado, e como a noite anterior (viajando) não foi lá essas coisas, estava difícil ficar acordado.
Chegando a lugares onde só se vai de moto
Cheguei ao Terminal Jabaquara eram 12h50, com a fome apertando, mas resolvi primeiro comprar a passagem para ficar mais tranquilo. Quando achei o guichê da empresa que transporta até Cubatão fiquei sabendo que o ônibus sairia dali a 5 minutos. Foi o tempo de comprar a passagem, embarcar e o ônibus sair – meu estômago teve que esperar.
Cansado, com sono e um ambiente fresquinho por causa do ar condicionado, não deu outra: “garrei no sono”. Acordei com o motorista ligando o ônibus e perguntei para o passageiro do banco de trás onde estávamos. Ele respondeu que era Cubatão. Bati na porta e o motorista deixou-me descer – por pouco não fui para Santos.
Logo que desci do ônibus liguei para o dono da Sahara e em menos de 15 minutos lá estava ele (o dono) com ELA (a Sahara) e a noiva dele, de carro, para me transportar. Foi amor à primeira vista… pela moto, claro.
Conversamos por um bom tempo ali mesmo e como estava hiper-cansado e molhado de suor (como Cubatão é quente!) não via a hora de tomar uma ducha e pedi para que me levasse até um hotel que um taxista havia me indicado. O detalhe é que eu estava de calça jeans grossa, camisa de algodão, meias grossas e botas.
Eles me deixaram no hotel e marcamos que ele retornaria com a moto depois do jogo em que o Corinthians levou um baile do São Paulo.
Foto tirada no dia seguinte à compra
Só que não deu certo a minha hospedagem, hotel ruim e preço extorsivo – Cubatão tem um enorme número de trabalhadores temporários, bem superior à capacidade dos hotéis e isso faz com que os preços sejam abusivos – coloquei a bolsa nas costas e saí à pé à procura de outro hotel. Andei uns 4 km passando em vários. Por um lapso de sorte cheguei a um recém-inaugurado, bonzinho, por um preço que, para os padrões curitibanos, era muito alto – R$ 120 a diária, com ar condicionado, tv por assinatura, ducha e café-da-manhã. Não aguentava mais andar, fiquei nele mesmo, depois de pechinchar e reduzir o preço para R$ 100.
Fiquei meia hora sob o chuveiro e renasci. Terminado o jogo o dono voltou com a Sahara e aí eu pude olhá-la nos detalhes e andar com ela nos arredores do hotel. Fiquei mais apaixonado ainda. Apesar das ruas terem piso irregular a moto não batia nada, não fazia nenhum barulho, nem nas carenagens o que é normal nas Sahara.
Depois disso tentei sem sucesso comer alguma coisa em algum lugar próximo, mas não encontrei nada aberto por ser final da tarde de domingo. Fiquei de estômago roncando.
Fechamos negócio e combinamos ir no cartório e ao banco na manhã da segunda-feira. Ao retornar ao hotel puxei pela internet os débitos da moto e estava tudo zerado, o IPVA já estava totalmente pago, faltando apenas o DPVAT e o licenciamento.
Voltei para o meu quarto querendo assistir ao Fantástico; só querendo porque acordei somente às 8h da manhã do dia seguinte. Dormi com TV e ar ligados e acordei com um frio do cão.
Depois do café, conforme combinado, o vendedor chegou com a moto e um amigo de carro. Ao lado do hotel havia uma oficina de motos que o pessoal dizia ser a melhor da cidade – conforme havia previamente combinado com o dono da oficina, deixei a moto lá para uma pequena revisão preparando-a para a viagem de retorno a Curitiba.
Moto entregue na oficina fomos até o cartório onde reconhecemos as firmas do vendedor e comprador (como verdadeiras, como exigem os Detran hoje). Na sequência fomos ao banco que para minha surpresa só abriria às 11 horas – bancário paulista é folgado mesmo (rs). Esperamos o banco abrir e finalizamos a transação financeira.
Fora da estrada, seu habitat natural
Na porta do banco nos despedimos, não antes do vendedor me entregar um catatau de papéis, chaves reserva e da trava de roda, controles remotos do alarme, manual do proprietário, notas fiscais de todo o histórico de manutenção, todos os documentos anuais desde 1999, itens que me confirmaram que a moto era bem tratada por um dono caprichoso.
Logo em seguida cheguei ao hotel, fechei minha conta, peguei minha mala e fui até à oficina para pegar a moto. Já estava pronta, com óleo conferido, corrente lubrificada e ajustada e cabos regulados.
Numa moto-peças ao lado comprei 2 extensores, prendi a bolsa no bagageiro (a bolsa quase sumiu quando tirei os apetrechos de viagem). Coloquei as luvas e a jaqueta de couro e caí na estrada, parando antes de sair da cidade para encher o tanque. Resolvi voltar por Itanhaém e Peruíbe, caminho mais curto até à BR-116.
Como não conheço nada naquelas bandas foi difícil achar a saída certa, correndo o risco de ir para Sampa ou Santos caso não acertasse – muito mal sinalizado – com o trânsito parado devido ao engarrafamento de caminhões que desciam para o porto, foi fácil pedir informações a alguns motoristas, até que achei a saída para Peruíbe.
No início eu estava inseguro, afinal faziam 7 longos anos que eu não pegava uma estrada de moto. Comecei entravando o trânsito porque não passava dos 70 km/h. Aos poucos fui ganhando confiança, retomando a experiência de tantos quilômetros rodados outrora. Depois de uns 50 km rodados o velocímetro não baixava de 130 km/h.
Estrada ótima, pista dupla, até depois de Peruíbe quando a pista voltou a ser simples, mas o trânsito era insignificante e a estrada era toda minha, raramente cruzava ou ultrapassava outro carro, podia ocupar a estrada inteira para fazer as curvas.
Fica difícil descrever as sensações que eu senti no início da viagem de volta, parece algo que está represado há muito tempo e num só momento as comportas do prazer são abertas e o corpo sofre uma injeção de adrenalina, endorfina e outros inas. Parecia que eu estava drogado com o prazer de novamente pilotar uma moto na estrada, principalmente sendo a moto que eu queria.
Abstêmio há 7 anos, havia pressa em recuperar o tempo perdido
Apesar do trecho entre Peruíbe e a BR-116 estar com o asfalto cheio de emendas, a suspensão da Sahara nem sentia, afinal é no piso irregular que ela pode mostrar seus predicados, suas qualidades. O pneu dianteiro novinho em folha e o trazeiro com muita borracha ainda agarravam a estrada e em nenhum momento me deram sustos, apesar de eu já estar abusando um pouquinho além do aconselhável nas curvas – aqui cabe uma ressalva: o pneu dianteiro foi trocado aos 19 mil km por causa de um corte causado por um buraco e o traseiro somente foi trocado aos 25 mil km exatos.
Quando cheguei à BR-116 o asfalto mudou radicalmente, livre de buracos e irregularidades, mas em contrapartida o trânsito de caminhões estava bastante intenso. Redobrei a atenção, principalmente nas ultrapassagens e quando um caminhão ultrapassava outro e tomava toda a pista. Para descontrair, quando passava pelos caminhões, dava uma buzinadinha com a medíocre buzina da Sahara e recebia de volta uma sonora resposta de uma corneta a ar. Esta prática estradeira é importante, pois se lá na frente eu precisasse de ajuda, algum desses caminhoneiros poderia parar para me ajudar. Raríssimas motos eu vi na estrada. Lembro apenas de uma “Mônica” que viajava em direção oposta à minha.
Em Registro a minha região glútea começou a reclamar e resolvi fazer um pit-stop básico no Graal para reabastecer a moto e descansar um pouco. Nem lembrei de comer algo. Essa parada durou menos de 15 minutos e peguei novamente a estrada. Correu tudo maravilhosamente bem, até São Pedro colaborou e não peguei uma gota de chuva até em casa.
Tomei um susto quando vi uma placa dizendo: Curitiba a 95 km. Caramba, parecia que eu havia acabado de sair de Cubatão e já estava tão perto de casa – eu queria que ainda faltassem pelo menos uns 500 km, tamanha era a alegria que eu sentia.
Nesse ponto da viagem a fome bateu valendo, afinal eu não comia nada consistente desde o almoço de sábado. Passei todo esse tempo tomando litros e litros de água. Avistei um lugar simpático e resolvi parar. Já eram quase 17 horas, tarde para o almoço e cedo para o jantar. Pedi ao dono do restaurante um bife com pão que me deliciei acompanhado de 2 garrafas de coca-cola. Não sei se era a fome ou realmente o tempero do bife estava soberbo, comi com gosto e cheguei até a raspar o caldinho do bife com o pão. Descansei uns 20 minutos e novamente voltei à tocada, só parando para telefonar para minha esposa avisando que estava chegando e pedindo para ela abrir o portão automático quando chegasse.
Foto tirada no dia seguinte à compra
Cheguei com o corpo muito cansado devido à abstinência de tantos anos, mas a alma estava leve e queria mais estrada, muita estrada.
Na viagem pude confirmar a total ausência de ruídos ou peças soltas, ou mal ajustadas na moto. Mesmo nos locais onde os remendos no asfalto faziam com que a moto pulasse feito cavalo chucro, ela mostrava-se firme e com todos os seus componentes bem fixados.
O retorno rodando foi ótimo porque depois de quase 450 km rodados já nos tornamos íntimos e começamos a nossa convivência da melhor forma possível, no melhor lugar possível, a estrada.
Enfim amigos, essa foi uma experiência inesquecível, daquelas que guardamos na memória, de como achei e comprei a minha 9ª Sahara, com a qual pretendo ficar um bom tempo, até que consiga comprar outra moto de cilindrada maior. E tomara que eu tenha que buscar essa nova moto em algum lugar bem longe de casa, pois descobri que o melhor de tudo é a volta, rodando.
PS: com a preocupação em minimizar a bagagem, nem lembrei da máquina fotográfica, por esse motivo não tenho fotos dessa aventura. Quer ler mais sobre a Honda NX 350 Sahara, clique aqui.
Fonte: Mário Sérgio Figueredo (texto e imagens)
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