MONTANDO SUA SCRAMBLER – por Samuel Pimenta
Agora que você já sabe tudo sobre a origem do estilo e decidiu aderir ao modo hipster de ser, chegou a hora de montar sua própria scrambler. Não se prenda à rótulos nem paradigmas. Deixe o sangue Old School fluir por suas veias e usufrua de um passeio ao século passado em cada volta, começando pelo nascimento de sua nova velha máquina.
Escolha da Moto: o primeiro item é escolher a motocicleta. Provavelmente você não vai comprar uma moto 0 km e mandar para o customizador. Sugerimos usar seu xodó, aquela companheira de viagem empoeirada na garagem, ou uma usada e surrada que você usou ou sonhou na adolescência. Vai lhe fazer um bem danado, até pro seu bolso!
- Vale: todas as street, on off, naked e city
- Evite: custom, esportiva. A linha XR da Harley está liberada
- Esqueça: off-road, trail, dual purpose e scooter. Seu resultado final será tudo, menos uma scrambler!
- Três cilindros ou mais: monte uma Café Racer
- Melhor escolha: uma Big Single, ou seja, uma monocilíndrica acima de 500cc. Mas se tem bons resultados até com cinquentinhas.
Ciclística: escolhida a moto, agora vamos pôr a mão na massa. Comece pela ciclística. É ela que vai dar a “cara” de scrambler e é onde vão a maioria das alterações. Algumas regras devem ser seguidas, são as chamadas “linhas sagradas” (sacred lines). A mais importante delas chama-se “Bone Line” que eu traduziria como “Linha da Espinha Dorsal”. Imagine uma linha paralela ao solo passando pelo farol, pela base de fixação do guidão, pelo tanque, pelo assento e pela rabeta. Monte sua moto de forma que essa linha apareça. As outras linhas são fictícias, como o encurtamento da frente (veja farol e painel) e da rabeta. Essas três alterações já fazem a moto parecer que foi extirpado tudo o desnecessário fora.
- Siga a “Bone Line”, lembrando de elevar um pouco a traseira pois cederá com seu peso. O escape pode seguir essa mesma linha
- Use rodas 18” ou 19” na dianteira. 17” é permitida, 21” nunca!
- Use rodas 17” ou 18” na traseira
- Rodas raiadas sempre! Em alumínio para reduzir o peso mas pode-se usar em aço se precisar atingir o orçamento
- Suspensões tradicionais: tubo telescópico na frente e bi choque na traseira. Mas caso sua moto de base tenha suspensão invertida e monoamortecedor, tudo bem. A gente releva
- Longo curso nas suspensões: preferível sempre acima de 150mm na dianteira e 120mm na traseira. Quanto mais longas melhor. Trabalhe as suspensões de forma a ter progressividade
- Pneus com cravos, mas não 100% off road. Aqueles que calçam as BMW GS Adventure ficam perfeitos, mas veja o custo. Pneus mais largos são mais polivalentes pois, com apenas a alterações na pressão, fica fácil adaptar o uso à vários tipos de pisos. Perfil alto é obrigatório
- Guidão largo, muito mesmo. Para um efeito mais vintage, use um com barra central. Quer mais eficiência? Use um tipo Fat Bar para motocross
- Rake (ângulo de cáster das motos) pequeno. Até uns 27º máximos aproximadamente
- Freios: poucas alterações necessárias. Nenhuma obrigatória
Powertrain: a regra básica aqui é que, em qualquer “topa tudo” que se preze, o torque em baixa será sempre preferível em detrimento à potência em altas rotações. Primeiro porque os motores torcudos facilitam o controle sobre a moto e a superação de obstáculos. E segundo porque aceitam melhor os excessos do piloto e consequentemente quebram menos. Portanto, não se preocupe em elevar a potência, mas em fazer seu motor rodar o mundo sem quebrar.
- Elevar a saída de escape, a menos que rode frequentemente com garupa e não se sinta seguro da proteção antiqueimadura. O principal motivo é evitar a sucção de água ao se transpor trechos alagados
- Instalação de filtros de ar do tipo úmidos, laváveis, caso a moto não possua. Evite os filtros em papel que são menos polivalentes e não combinam com o off road
- É preferível que a caixa do filtro de ar não seja removida, apesar de ser uma alteração muito comum nas Café Racers. Ela protege bastante o filtro de ar
- Além da elevação do escape, a alteração do mesmo por um dimensionado é comum. Mas deve ser simples, leve e robusto
- Alimentação: carburador é de lei. Tanto para simplificar a manutenção quanto para dar gosto na hora de “meter a mão na graxa”. Mas caso o conhecimento de manutenção não seja avançado ou a moto não disponha originalmente, mantenha a injeção eletrônica
- Transmissão final por corrente. Caso a original seja por cardã, mantenha. É a mais robusta de todas e a alteração para corrente pode ser complexa. Mas se for por correia, altere para corrente. A correia se deteriora rápido com lama ou areia
Estética: sabemos que muitas motos alteradas hoje em dia tem a função pura e unicamente estética, mas no caso das scrambler vale a pena buscar o chamado “Design Funcional”, onde a estética não é priorizada em relação à função de determinada peça. Caso a estética seja prejudicada, o mais importante é manter o projeto.
- Piscas: os menores possíveis, robustos. Sua localização deve ser escolhida de modo a minimizar os danos em um tombo
- Farol redondo, como padrão de época e regra básica. Qualquer outro formato não combina. Deve-se alterar sua fixação de modo que fique o mais próximo possível das bengalas. LEDs… Deixa pra lá
- Painel: apenas as informações imprescindíveis. Velocímetro ou contagiros? Escolha apenas um! Sugestão: um contagiros analógico com um pequeno velocímetro digital embutido. Ou qualquer coisa parecida que encontrar numa sucata
- A lanterna traseira deve ser trocada. Pequena, leve e robusta, em posição que dificulte sua quebra numa queda e fácil de trocar a lâmpada
- Protetores de mãos são aceitos, desde que em metal
- Nada de carenagens que não tenham função específica. Algumas delas são defletores de ar para o motor. Outras protegem peças, como bateria, caixas de fusíveis, etc. Não sendo, descarte
- Tanque de combustível liso, sem abas ou carenagens
- Assento plano e estreito. Densidade mais firme e alto, mas sem comprometer a altura final do banco. Se o revestimento for em couro cru ou marrom você ganha pontos. E pode encurtar o banco também. Espuma pesa muito
- Suporte de placa: o menor possível. Apenas o mínimo necessário para que a placa não fique pelo caminho
- Paralamas: o dianteiro deve ser o menor possível e baixo. Apesar de motos fora-de-estrada usarem para-lamas altos, estes as deixam com cara de “cross”. Use para-lamas baixo, um pouco distante do pneu para evitar acúmulo de lama
- Sliders: esqueça. São para asfalto e muito bonitinhos
- Protetores: instale apenas aqueles que salvam partes críticas como motor, radiador, etc. Esqueça qualquer adereço que tenha apenas apelo estético. Uma grade no farol fica legal, bonita, mas veja se o peso vale a instalação
Materiais: a eterna luta pelo peso deve ser travada sempre, mas no caso das scramblers existe uma regra básica. Tire peso removendo peças e nunca trocando por materiais caríssimos e mais leves.
- Aço: por todos os lados. Use sem medo. É pesado mas é barato, fácil de encontrar, de moldar, de soldar, de usinar, de reparar e era o mais usado na época. Se ficar pesado demais repense se a peça é necessária
- Alumínio: talvez, em alguns lugares apenas ou onde vir de fábrica
- Plástico: evite. É leve e barato mas quebrou, tchau!
- Carbono, Magnésio, Titânio: nunca serão!
Resumindo, uma scrambler não é uma moto para “Mauricinhos”. É uma moto para quem curte o prazer de pilotar sem ajudas nem apetrechos eletrônicos e que não teme passar por uma pedreira. Deve ser inquebrável mas, se quebrar, deve ser barata e fácil de consertar, mesmo porque quem vai consertá-la será você! Sua meta deve ser uma moto robusta, fácil de reparar e construída com materiais que resistam com orgulho às suas mais duras aventuras. Esqueça a estética pela estética. Monte-a seguindo esses passos e, se o resultado final for bonito, ótimo. Senão, deixe assim. Se parecer saída do filme Mad Max você acertou em cheio!