O médico e o profissional de TI
Quando era garoto a minha mãe dizia que eu deveria estudar para ser médico. Aquela era uma profissão que orgulhava às famílias daquela época. Era o sonho de todo pai ter um filho doutor. Quando ela falava isso eu dizia a ela que “médico trabalha de madrugada, de noite e fim de semana e onde ele estiver vai sempre ter alguém precisando de cuidados e ele vai ter que ajudar, pois, basta descobrir que o sujeito é médico para logo aparecer alguém tentando uma consulta grátis ou falar de doenças.”
Disse eu: “- Não, mãe. Prefiro trabalhar com tecnologia. É tudo simples, automático e vai sobrar tempo para fazer as coisas que eu gosto como passear e tomar umas geladas com os amigos, acordar tarde, enfim: viver!!!”
Minha mãe dizia: -” Olhe que você vai acabar se arrependendo…”
Os anos se passaram e eu acabei descobrindo que tinha virado uma espécie de médico, não por conta do juramento de Hipócrates ou doutorado em universidade, mas por que “entendia de computador e de eletrônicos”. Pois é, caríssimo leitor, coração de mãe não se engana. E não é que ela tinha razão! Não estou arrependido, mas gestor de TI ou qualquer pessoa que trabalhe muito focado em tecnologia, acaba tendo uma rotina semelhante e, até pior, que a dos médicos.
Recentemente minha mãezinha disse que eu “parecia um médico.” Sempre muito ocupado e com quase nenhum tempo para mim mesmo. Ai eu pensei… Ela tinha razão. Fui comparar a vida de alguém envolvido com TIcom a de um médico e descobri que a promessa de que a tecnologia iria nos dar mais tempo de folga não havia dado muito certo para nós.
A primeira constatação foi a de que quase todo mundo precisa ou acabará precisando de um profissional de TI. O fato é que temos que aprender a conviver com o estresse logo no início, quando decidimos competir por um lugar ao sol. Mas o choque inicial geralmente ocorre quando começamos a receber treinamento profissional. Aqui começa um processo que pode mudar para sempre a maneira de encarar as coisas.
Primeiro vêm os estágios e com eles toda sorte de serviço que ninguém quer fazer. Amaioria dos profissionais de TI não se envolve emocionalmente com os clientes. Pode ser um grande risco.A maioria prefere tratá-los de forma mais impessoal. Mesmo recebendo uma carga pesada de formação técnica, o trabalho da maioria deles consiste em lidar diretamente com pessoas e com pessoas desesperadas, temperamentais e desconfiadas, pois, a vida de muitos clientes está naquela máquina, naquele projeto, naquele software e perder aqueles dados ou, muito tempo, é como sofrer de um Alzheimer tecnológico, posto que a maioria deixa suas memórias em um disco rígido que acabou de ter um piripaque.As semelhanças são grandes e não é exagero dizer que o coração da maioria dos empresários fica no bolso e quando o bolso é atingido a saúde pode ser afetada.
Muitos profissionais acreditam que não têm o devido preparo emocional para isso e perdem a cabeça com clientes chatos. Uma das situações mais difíceis para o profissional de TI é dar uma má notícia. Tem gente que faz isso todos os dias. Mas lidar com pessoas ansiosas, assustadas, pode ser tão desgastante que alguns profissionais acabam sofrendo uma forte carga de estresse. Até aqui, caros leitores, tudo igual a profissão de Hipócrates.
A pressão e a contingência de prazos e recursos chegam a afetar até mesmo os relacionamentos familiares. Quando se pergunta sobre o estresse decorrente da relação profissional de TI – cliente, o profissional de TI sempre começa a falar dos clientes difíceis. Há vários deles, mas separei alguns para exemplificar a comparação. Tem aquele cliente que faz o profissional de TI perder o seu tempo falando sem parar e não é específico ao expor o problema. Depois tem o cliente exigente que liga para o profissional de TI à noite ou em fins de semana sem que esteja ocorrendo uma situação de emergência. Existem outros que insistem em consertar a máquina de uma forma que o profissional de TI não recomenda.
E vem ai um dos piores: o cliente desconfiado. Ele faz pesquisas na internet e escuta um monte de curiosos sobre seu problema e muitas vezes isso faz com que perca, antecipadamente, a confiança no profissional. A desconfiança aumenta principalmente quando não dá tempo de explicar os prós e os contras de todos os reparos que o cliente pesquisou na Internet ou junto a amigos. Mas o que deixa o profissional de TI muito zangado é quando ele nota que o cliente deixa de seguir as suas orientações por não ter confiança nele.
E por fim existe o impaciente. Ele abandona o projeto antes mesmo de produzir algum efeito e vai buscar outra opinião. A maior fonte de estresse não são o hardware ou o software, mas o cliente.
Já testemunhei alguns casos interessantes. Tenho um primo médico, é cirurgião e trata de emergências clínicas e nunca tem sossego. Um dia estava passando um fim de semana na casa de amigos e lá estavam eu, um técnico em TI e o médico. O telefone do técnico tocou e ele realizou um procedimento de reparo por telefone, mesmo dizendo que por telefone seria complicado, pois precisava ver a máquina do cliente. Como não dava e o cliente estava muito angustiado, ele passou as instruções. Passo-a-passo em um telefonema que durou uns 40 minutos. Enquanto isso o telefone do meu primo tocou. Do outro lado da linha um paciente pede uma consulta para a filha doente. Mesmo dizendo que precisava fazer exames mais detalhados o médico passou algumas recomendações por telefone para aplacar uma febre. Os dois falavam ao mesmo tempo e todo mundo na mesa parou para ouvir. No final eu perguntei aos dois: – “Parecem dois médicos ou dois profissionais de TI?” Caíram os dois na gargalhada. Realmente era igual!
No caminhar do colóquio cervejino (ou etílico-colesterólico-úrico) da conversa, acabou que o médico tirou dúvidas sobre TI com o técnico e o técnico fez uma consulta sobre gastrite. No meio dos dois estava eu que ouvi tudo e acabei escrevendo estas alinhavadas linhas em um sábado á noite e ainda cheio de trabalho relacionado a TI para fazer no feriado. Enquanto tomo a sagrada cervejinha do sábado, alguém bate à minha porta. É meu vizinho. O computador dele teve um piripaque e o vizinho estava a beira de um piti. Pediu desculpas e com cara de cachorro que cai do caminhão de mudanças quase implora para que eu “dê uma olhadinha…” Bom, preciso parar por aqui, pois o e-mail dele não está funcionando e ele precisa enviar um documento importante. Lá se vão alguns preciosos minutos do meu tempo dedicados a causa nobre de alguém.
Uma coisa eu aprendi: nunca mais vou teimar com a minha querida mãezinha. Afinal, coração de mãe, nunca se engana.
E você, doutor, tem alguma história pra contar?