Sem-fio: O 'Crime' do Padre Landell.
“Mas… pra que serve isso?”
Robert Lloyd, executivo da IBM, sobre o microprocessador, em 1968.
Campinas, São Paulo. É fim de tarde. O ano é 1900. Há poucos dias o Padre Landell havia obtido um feito grandioso que orgulharia a população de qualquer grande nação desse mundo. Ele continuava a pensar em como melhorar o feito enquanto caminhava de volta à sua paróquia após a visita a um doente. Ao chegar encontra a porta da paróquia aberta. Entra e depara-se com uma cena dolorosa. Todos os seus experimentos estavam destruídos. Ao chão ainda estava um exemplar que registrava o feito agora destruído por fanáticos que o julgaram bruxo, renegado, filho do demônio.
O Padre Landell apanha o jornal onde ainda é possível ler o trecho da matéria do Jornal do Commércio de 10 de Junho de 1900 – “No domingo próximo passado, no alto de Santana, na cidade de São Paulo, o padre Landell de Moura fez uma experiência particular com vários aparelhos de sua invenção. No intuito de demonstrar algumas leis por ele descobertas no estudo da propagação do som, da luz e da eletricidade através do espaço, as quais foram coroadas de brilhante êxito. Assistiram a esta prova, entre outras pessoas, Percy Charles Parmenter Lupton, representante do governo britânico, e sua família”.
Com a mesma força que fez do uso do hábito a sua profissão de fé, ainda naquele mês, doa ao Governo Britânico os produtos do seu invento.
Quatro meses depois, consciente de que suas invenções tinham real valor, padre Landell muda-se para os Estados Unidos da América com o intuito de patentear os seus aparelhos. Seu trabalho é notícia em 12 de outubro de 1902, no Jornal americano “The New York Herald”. A reportagem fala das experiências desenvolvidas por cientistas americanos, alemães, ingleses dentre outros, na transmissão de sons sem o uso de aparelhos com fio.
Mesmo com todas as dificuldades que encontra, consegue três cartas patentes: “Transmissor de Ondas” precursor do rádio(The Patent Office of Washington, DC 771.917). Em 11 de Outubro de 1904, ” Telefone Sem Fio”( The Patent Office of Washington, DC 775.337)e “Telégrafo Sem Fios”( The Patent Office of Washington, DC 775.846)em 22 de Novembro de 1904.
Antes que termine aquele ano esboça outra maravilha da vida moderna. Era 20 de Agosto de 1904 e em um dos documentos ele batiza de “The Telephotorama ou Visão à distância” o que algumas décadas depois seria a televisão, apresentada em 1926 quando teve a sua primeira demonstração pública. Em outros de seus manuscritos apresenta solução para os problemas da videocomunicação, o que leva a concluir que o Padre Landell trilhava para um processo de Transmissão e Recepção de imagens. Não se sabe até que ponto ele chegou nesse projeto, mas se sabe que estava no caminho certo.
Ordenado padre em 1886 em Roma onde também iniciou seus estudos de física e eletricidade, na volta ao Brasil manteve longas conversas científicas com D.Pedro II. Continuou seu estudos em São Paulo como autodidata.
Pioneiro na transmissão da voz, utiliza equipamentos de rádio de sua construção e patenteados no Brasil em 1901(Patente Número 3.279), Landell transmitiu a voz humana por meio de dois veículos, o primeiro, um transmissor de ondas que utilizava um microfone eletromecânico de sua invenção que recolhia as ondas sonoras através de uma câmara de ressonância onde um diafragma metálico abria e fechava o circuito do primário de uma bobina de Ruhmkorff, e induzia no secundário dessa bobina uma alta tensão que era irradiada ou através de uma antena ou de duas esferas centelhadoras. A recepção foi feita por dispositivos que foram sendo melhorados ao longo do tempo.
Lendell ainda utiliza um segundo meio. Foi através do aparelho de telefone sem fio(wireless?), que utilizava a luz como uma onda portadora da informação de áudio. Neste aparelho as variações das pressões acústicas da voz do locutor eram transformadas em variações de intensidade de luz, de acôrdo com a onda de voz, que eram captadas em seu destino por uma superfície parabólica espelhada em cujo foco havia um dispositivo cuja resistência ôhmica variava segundo as alterações da intensidade de luz. No circuito de recepção havia apenas o dispositivo fotossensível, uma chave, um par de fones de ouvido e uma bateria. Ao utilizar a luz como meio de transporte de informação Landell também é considerado um dos precursores das fibras ópticas.
A mais importante invenção de Padre Landell foi o telefone e a comunicação sem fio. A comunicação se dava por meios elétricos via telégrafo que transmitia e recebia através de fios, invenção essa de Samuel Morse (1837). Já o telefone com fio, de Graham Bell (1876) e a radiotelegrafia de Guglielmo Marconi (1895). Marconi não inventou o rádio, mas a radiotelegrafia que em pouco parecia com a transmissão de voz sem fio.
Outra faceta da genialidade do Padre Landell é desenvolver tudo sozinho. Landell era além de místico e religioso um gênio teórico e prático pois construía seus próprios aparelhos.
A maioria dos cientistas é formada de teóricos, Landell não. Ele era o Cientista, o Engenheiro e o Operário.
Alguns documentos que foram deixados por ele, foram analisados à época, por técnicos da Telebrás. Chegaram à conclusão de que alguns de seus esquemáticos configuram uma tentativa de construir um registrador telegráfico. Na base das hipóteses, Padre Landell idealizou controle remoto via rádio ou teletipo, invenções que na história oficial só ficaram conhecidas durante a Primeira Guerra Mundial.
Com respaldo das patentes norte-americanas em sua bagagem, Padre Landell imagina que receberia tratamento diferente na sua terra natal. De volta ao Brasil, escreve ao Presidente da República, Rodrigues Alves, a quem solicita dois navios para demonstrar suas invenções. A má vontade e o preconceito dos assessores do presidente foram tamanhos que a experiência é prejudicada. Situação semelhante viveria o italiano Guglielmo Marconi, porém o tratamento dado pelas autoridades italianas seria o oposto do que Landell recebera aqui.
Em 1904 descobre o método que hoje é conhecido como Bioeletrografia ou Fotografia Kirlian mais tarde batizado de “Efeito Kirlian”, em 1939, por causa dos trabalhos do casal soviético Semyon Davidovith e Valentina Kirlian.
Sete de setembro de mil novecentos e oitenta e quatro, em Porto Alegre, acontece uma demonstração pública de um rádio montado com os mesmos materiais usados à época pelo Padre Landell de Moura, onde é transmitido parte de um pronunciamento do então Governador do Estado, Jair Soares. Neste mesmo ano Tancredo é eleito Presidente, o primeiro MTV Video Music Awards é realizado no Radio City Music Hall em New York (USA) e a Apple lança o Machintosh.
Padre Roberto Landell Moura, gaúcho de Porto Alegre, nasceu em 21 de janeiro de 1861 e morreu de tuberculose em 30 de junho de 1928. As anotações originais do Padre Landell estão, hoje, no Museu Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
Algumas homenagens foram prestadas por brasileiros patriotas da Telebrás, do Cefet, dos rádioamadores (de quem é patrono), da Marinha e do Exército Brasileiro e um livro foi escrito, mas
o crime do Padre Lendell foi mesmo ter nascido e buscado reconhecimento em um país que não cuida da sua história, não preserva o seu passado e que, portanto, pode estar construindo uma nação de pouco futuro.