O velho e a moto. Sobre tradição, respeito e irmandade.
Certa vez, um velho lenhador, conhecido por sempre vencer os torneios que participava, foi desafiado por um outro lenhador jovem e forte para uma disputa. A competição chamou a atenção de todos os moradores da localidade. Muitos acreditavam que finalmente o velho perderia a condição de campeão dos lenhadores, em função da grande vantagem física do jovem desafiante.
No dia marcado, os dois competidores começaram a disputa. De tempos em tempos olhava para o velho e, às vezes, percebia que ele estava sentado. Pensou que o adversário estava velho demais para a disputa, e continuou cortando lenha com todo vigor.
Ao final do prazo estipulado para a competição, foram medir a produtividade dos dois lenhadores e pasmem! O velho vencera novamente, por larga margem, aquele jovem e forte lenhador.
Intrigado, o moço questionou o velho:
– Não entendo, muitas das vezes quando eu olhei para o senhor, durante a competição, notei que estava sentando, descansando… como pode!!
– Engano seu! Disse o velho. Quando você me via sentado, na verdade, eu estava amolando meu machado.
A conhecida Parábola do Velho Lenhador aplica-se para uma pesada reflexão sobre o que anda acontecendo no meio motoclubista onde os mais experientes, mais velhos ou fundadores de MGs, MCs e afins têm sido esquecidos por acreditarem alguns novatos e iniciados que ‘estão ultrapassados.’
Ledo engano.
Aqui no Brasil, especialmente no meu Ceará, a idade e o tempo são sinônimos de ‘ultrapassado’ e daquilo que ‘já não funciona mais’. Em vez de tentar aprender com aqueles que já acumulam quilometragem e muitos anos de experiência, preferem ignorar o aprendizado e seguir no rumo que aponta o próprio nariz.
Tradição se constrói com o tempo, com o respeito aos princípios que originaram tal cultura. Isso leva muito tempo, porém a pressa de fazer tudo de imediato faz com que certos ritos sejam desprezados.
Em todo o mundo a experiência, a tradição e a idade são sinônimos de acúmulo de conhecimento e sabedoria. Uma reserva moral e histórica que precisa ser bebida, degustada e não descartada. A ignorância da tradição cria o abismo da falta de memória que transforma qualquer sociedade em refém do acaso.
Dentre os samurais, os ronin são conhecidos como mestres por que aprenderam a mostrar que lealdade, sacrifício, persistência e honra é o que as boas pessoas devem preservar em sua vida cotidiana. Por isso são respeitados. São eles que ensinam a continuar vivo. No motoclubismo, ultimamente, prefere-se morrer de paixão do que viver pela razão.
Tais fatos estão gerando atos de rebeldia sem sentido contra a mesma tradição que dizem defender. Os mais velhos e experientes não buscam a luz e nem holofotes, mas o respeito e isto têm faltado no meio de forma a acreditarem que nada mais eles têm a oferecer.
Mensalmente enterramos dezenas de motociclistas Brasil à fora que se recusam a colocar em prática aquilo que defendem em teoria.
Como aconteceu na Parábola do Lenhador a força com o tempo cede lugar à técnica e o respeito e a tradição vêm da sabedoria de saber amolar o machado na hora certa.
Aqueles que desprezam a tradição, o respeito e a irmandade (não confundir com solidariedade) estão fadados a deixarem o clube ou a prematuramente encerrar a sua viagem pela vida no planeta Terra.
Como disse o velho Santiago, personagem do livro ‘O Velho e o Mar” de Ernest Hemingway “AGORA NÃO É O MOMENTO DE PENSAR NAQUILO QUE VOCÊ NÃO TEM. PENSE ANTES NO QUE PODE FAZER COM AQUILO QUE TEM.” Isso é sabedoria.
A experiência pode ser vista como diz Gabriel García Márquez: “A sabedoria é algo que quando nos bate à porta já não nos serve para nada.” Mas eu prefiro ver como Platão que diz que “Devemos aprender durante toda a vida, sem imaginar que a sabedoria vem com a velhice.”
No trinômio Tradição-Respeito-Irmandade, que é a base do motoclubismo, a irmandade vem por último por que, antes dela, é necessário que haja tradição e respeito.