Faltou ‘luz’: Você sobreviveria à falta de energia elétrica?
Em 2010 eu já havia manifestado a minha preocupação sobre a fragilidade da tecnologia quando se trata de fornecimento de energia e autonomia na coluna Apagão: A tecnologia por um fio elétrico? e tomando um café com amigos o assunto voltou à tona por conta da tragédia ocorrida no Rio de Janeiro e mais recentemente em Salvador que ficaram muitas horas sem energia elétrica.
O assunto surgiu quando uma amiga disse que sua avó era descendente de índia e quase não falava português, apenas o idioma tupi. Sua avó cuidava da casa e havia montado uma estrutura que funcionava sem energia. De dia a casa era iluminada, pois parte das telhas eram de vidro. No quintal se produzia de tudo para comer, menos carne, mas era só dar um pulinho no mar e vinha o peixe. Criava guaiamuns – um caranguejo que pode ser engordado em casa é muito saboroso e nutritivo, muito comum no nordeste brasileiro. E assim sem geladeira, sem energia ela viveu muitos anos. Não quero dizer com isso que viver assim é a melhor opção. Não. A energia elétrica trouxe inegáveis avanços à humanidade. Mas você sobreviveria a falta de energia elétrica por quanto tempo?
O Cenário
No dia 9 de junho de 1962, nove segundos após a meia-noite, hora local de Johnston Island, o teste nuclear Starfish Prime (Operação Nougat) foi detonado com sucesso a uma altitude de 400 km. As coordenadas foram – 16 graus, 28 minutos de latitude norte e 169 graus, 38 minutos de longitude Oeste. O resultado real esperado com a detonação da arma era muito próximo do rendimento do projeto, que teria sido descrito por várias fontes em diferentes valores numa gama muito estreita entre 1,4-1,45 megatons (6,0 PJ). Neste dia o míssil Thor decolou carregando a ogiva do teste Starfish Prime e alcançou uma altura máxima de cerca de 1.100 km. A ogiva foi detonada sobre a sua trajetória de queda na altitude programada que foi de 400 km. A ogiva nuclear detonada em 13 minutos e 41 segundos após a decolagem do míssil Thor de Johnston Island causou um pulso eletromagnético muito maior do que o esperado e desregulou parte da instrumentação dificultando a obtenção de medições precisas. O pulso eletromagnético gerado pelo Starfish Prime causou sérios danos elétrico no Havaí e na Nova Zelândia, distantes cerca de 1.445 km e 1.300km, respectivamente, do ponto de detonação. No Havaí destruiu cerca de 300 postes de iluminação, acionou inúmeros alarmes e danificou seriamente uma empresa de telefonia deixando sem telefone Kauai e outras ilhas havaianas. Efeitos semelhantes foram sentidos na Nova Zelândia. Os russos também realizaram os mesmos testes na Operação Dominic e Operação Aquário, obtendo o mesmo resultado. Depois de mais de trinta testes de ambos os lados o projeto foi abandonado e não se sabe por que nunca mais tocaram no assunto. Uma simulação do que poderia ser tal efeito pode ser vista no seriado Jericho – que mostra como uma cidade de pouca importância conseguiria sobreviver a uma hecatombe nuclear.
Muito se falou que mais uma vez o mundo poderia vir a acabar e a nova data seria em 21/12/2012, que pelo calendário Maia e um monte de gente que fala a mesma coisa, seria o fim da humanidade. Polêmicas à parte e aproveitando o mote começamos a conversar como seria a vida das pessoas sem energia elétrica. O exercício de projeção seria imaginar um cenário, onde por uma razão qualquer (talvez um ataque de bombas de pulso eletromagnético), o mundo não conseguisse distribuir energia elétrica por um tempo.
Quatro horas sem energia…
Já sabemos que se ocorrer um apagão elétrico o tempo será o maior inimigo da humanidade. Cerca de 4 horas depois as telecomunicações começam a entrar em pane. A grande maioria dos computadores está fora de operação e sem internet. A informação só é acessível por rádio ou por aparelhos de TV ligados a outra fonte de energia. Os celulares funcionariam precariamente. A maioria dos hospitais que não possui geradores está em apuros. Aparelhos que mantém a vida começam a se desligar o que forçará a transferência de pacientes críticos. Essa transferência é ainda mais crítica, pois os semáforos já estão sem funcionar faz 4 horas. Movimentar-se neste cenário é uma tarefa desgastante.
Dez horas sem energia…
As geladeiras e os refrigeradores que não estão ligados a geradores estão descongelados. A saída será salgar a carne e o peixe para evitar a perda. Começará o racionamento de água nos prédios onde não existem geradores. Algumas pessoas começam a chegar às suas casas por conta do trânsito caótico. Para quem mora nos andares mais altos é ainda mais doloroso. Uma pessoa que mora na cobertura de um prédio de 20 andares, sem gerador, terá ainda que subir 40 lances de escada. Os geradores de hospitais precisam ser reabastecidos. Supermercados sem gerador estão em apuros, pois as câmaras frigoríficas já estarão esquentando e toda comida vai se perder se nada for feito pelas próximas 10 horas.
Vinte e quatro horas sem energia…
O governo informa que não há previsão de retorno da energia elétrica. Começa a faltar água em prédios residenciais. Não existe trabalho nos escritórios que dependem de energia e de computadores e internet. O clima começa a ficar confuso e as pessoas começam a se desesperar. Alguns mais prevenidos vão aos supermercados em busca de gás, água e alimentos. Postos de combustíveis que não possuem fonte de energia de reserva estariam com problemas para abastecer as enormes filas de carros. Tudo está com cara de feriado nacional depois que o governo pediu para que evitassem sair de casa. As pessoas parecem estar de folga têm água, gás, combustível nos carros e alguns até tem notebooks com carga e celulares com baterias pela metade e continuam consumindo comida e água sem economizar. Alguns até arriscam fazer um churrasquinho em casa, confiantes que logo a energia volta, mas essa confiança será traída.
Quarenta e oito horas sem energia…
Cerca de 48 horas depois, ainda sem previsão de retorno da energia, começa a correria a supermercados para estocar água e comida. Os geradores dependem do fornecimento de combustível para continuar operando e após 48 horas de falta de luz, a entrega está prejudicada e começa a evoluir até a sua produção. A cidade ainda está sob relativo controle. Hospitais e prédios residenciais ainda recebem combustível para seus geradores. Nos apartamentos que não os tem a água começa a faltar. Nos supermercados e mercadinhos sem gerador, frios e congelados se estragam. Filas se formam em bancos para pegar dinheiro. Cartões de débito e crédito começam a perder a sua utilidade. Celulares não funcionam e telefones fixos estão ativos apenas em algumas áreas.
Quinze dias sem energia elétrica…
O dinheiro começa a perder valor, já que está inacessível e quase que esgotado na maioria dos bancos. A moeda física circulante não é suficiente para a economia funcionar. O caos no transito (carros abandonados, sistema publico de transporte em colapso, falta de resgates) prende as pessoas nas suas casas, algumas com fome e sede. A comida estragada nos grandes centros urbanos é jogada nas ruas e o mau cheiro predomina. Começam os saques e a ordem pública nas cidades estará ameaçada. O exército é chamado para controlar o caos e distribuir água e alimentos aos mais necessitados. Gangues e milícias começam a se formar. Umas para saquear e a outras para protegerem seus patrimônios. Neste momento a polícia pouco pode fazer. O lixo começa a se acumular nas ruas, prédios e residências. Sem água começa a exalar um odor fétido. As ruas estão sujas. Começam a proliferar doenças sobrecarregando os hospitais já cheios por causa de acidentes de transito, pessoas pisoteadas no pânico dos saques, vítimas de violência urbana, doenças crônicas. Os diabéticos são os primeiros a serem atingidos. Sem ter como conservar a insulina muitos não tem como controlar a glicose. Diante do cenário e sem previsão de retorno, sair das cidades é a melhor alternativa. As pessoas em pânico e desesperadas são seus maiores inimigos. É hora de fugir delas! Neste momento, sem uma previsão de retorno da energia, muitos pegam as estradas em direção às suas casas de praia, sítios, fazendas onde haveria melhor conforto e estariam mais distantes da confusão. A motocicleta seria o transporte mais rápido. Nos hospitais o caos começa a se instalar.
Trinta dias sem energia elétrica…
Por mais incrível que possa aparecer, a população que vive no campo, os donos de sítios e de casas de praia tem mais conforto enquanto aguardam o retorno da energia. Aqueles que têm geradores a diesel, a gás, a energia solar ou eólica estariam bem. Para esperar com segurança o retorno da energia o melhor é manter-se longe dos grandes centros. As pessoas que ainda não saíram das suas casas começam a entender que precisam sair das cidades. Quem está no campo começa a correr perigo. Armas e munição valerão mais do que carros. Começam a faltar remédios e as doenças aparecem por conta do lixo e de animais em decomposição jogados nas ruas. A maioria dos hospitais está sem remédios e o número de mortos aumenta a cada dia. Na fila de espera por atendimento em hospitais está se decidindo quem pode viver e quem vai morrer. Alimentos não perecíveis começam a faltar. Com a economia desorganizada começam trocar uma coisa por outra para obter aquilo de que se precisa para sobreviver. As cidades com melhor estrutura têm barricadas nas suas entradas, fruto do processo cooperativo que deverá acontecer em muitas delas. A informação circulará apenas através do rádio para quem tem um funcionando. Radioamadores e rádios que operam na frequência dos Citizen Band voltam a ter grande utilidade e podem funcionar à baterias de automóveis por longo tempo. Para ter luz à noite, nas residências, o uso de velas será uma boa alternativa para quem não possui lanternas que não usem pilhas. Os velhos dínamos voltam a ter serventia.
Sessenta dias sem energia elétrica…
Pessoas com treinamento em sobrevivência, que saibam produzir alimentos, manipular produtos químicos e trabalhar com energia alternativa serão as mais valiosas e também as com maiores chances de sobreviver mais tempo. Em um mundo sem energia elétrica tudo retornará ao que era no Século 19. Quem vive atualmente no século 19 – ou seja, sem energia elétrica – não vai sofrer, em um primeiro momento, tanto assim, mas a sociedade atual – totalmente dependente de equipamentos eletrônicos não se adaptará ao modo de vida do Século 19. O celular que há 20 anos não existia, hoje não se vive sem ele. Na minha infância e adolescência não havia celular, nem internet, nem computador e vivíamos bem sem eles, mas hoje ao tirar isso de um jovem de 20 anos ele ‘pira’, não sabe o que fazer. Tudo hoje em dia depende dos computadores e com o clouding até mesmo documentos estarão em locais fisicamente inacessíveis. As cidades, após sessenta dias sem luz estão praticamente abandonadas e entregues a própria sorte. Só os mais safos sobrevivem. O Estado quase não existe e o controle é precário.
Setenta e um dias sem energia elétrica…
Uma notícia é veiculada pelo rádio informa que radioamadores comunicam que algumas unidades de distribuição de eletricidade estão voltando a operar. A notícia se espalha rapidamente, mas o fato da energia estar de volta não resolverá todos os problemas causados pela falta dela. Em setenta dias muito da infraestrutura foi afetada pelo desgaste natural ou pela ação de vândalos.
Setenta e três dias sem energia elétrica…
Os governos soltam comunicado que é divulgado pelos radioamadores dando conta da lista de prioridades, nela estão aqueles que serão os primeiros a terem a eletricidade de volta, mas não informa quando residências e empresas terão a energia reestabelecida.
Oitenta dias sem energia elétrica…
A energia começa a voltar e algumas residências já estão ligadas novamente, mas a maioria das pessoas foi embora. Com a notícia muitos começam a retornar para reconstruir suas vidas. A economia recomeça de forma localizada e a prioridade é água e alimento. Aos poucos o mundo recomeça, mas ainda levará anos até que tudo volte ao que era antes ou ao que volte a ser como deveria ter sido. Cientistas do mundo inteiro se reúnem para discutir uma tecnologia que permita um plano B para a população mundial. Uma das saídas propostas, emergencialmente, é a mudança de um sistema unificado (toda a geração é distribuída por um único sistema, que falhou e pode falhar novamente) para um sistema misto onde parte da geração seria feita próxima ao local de consumo, utilizando uma via de transmissão alternativa, minimizando riscos.
Voltando à realidade posso dizer que este exercício de pensamento apesar de mórbido não é impossível de acontecer. Tal infraestrutura não pode depender exclusivamente do Estado e de corporações. As pessoas devem descobrir como gerenciar a eletricidade, pois sem energia elétrica tudo estará prejudicado e a maioria das vidas humanas definitivamente por um fio. Basta que falte energia elétrica por pelo menos um mês, basta que a distribuição seja afetada de forma grave para que talvez a maior fragilidade da nossa civilização apareça.
Se 2012 foi mesmo um marco na história da humanidade? Não importa, mas ele serve pelo menos para refletir.
O que você faria? Qual seria o seu plano B?