Clássicas do Otoch: A lendária GSX-R 750
Desde quando comecei a me interessar por motocicletas compro religiosamente as revistas especializadas no assunto e as figurinhas mais carimbadas das capas são as motos da linha GSX-R (as carenadas com motores esportivos) da marca Suzuki. Sempre com a chamada “Nova GSX-R melhorou” nisso ou naquilo outro.Tanto para o modelo de 1000cc quanto o de 750cc. E com o passar dos anos eu fiquei ‘encafifado’ com estas matérias e pensando: “putz, mas estas motos recebem reformulações praticamente todo ano! Como pode?” Com este pensamento martelando minha cabeça até agora, hoje decidi contar um pouco da história desta verdadeira “metamorfose ambulante” que deu uma alavancada no nível das motocicletas de rua! E a escolhida foi o modelo que começou com esta brincadeira:A lendária GSX-R 750 .
Das pistas para as ruas
Em meados da Década de 80′ o mercado de motos estava fervendo, com modelos de estilos variados, e uma linha que era uma febre na época (e ainda é até hoje) eram as motos com motores de seis e quatro cilindros de características bem esportivas! Inclusive já falamos de algumas destas belezinhas por aqui. (Se quiser saber mais, é só dar uma olhada nas colunas anteriores.)
Só que as motos eram geralmente concebidas para as estradas. Corriam bem, mas geralmente eram grandes e pesadas. Foi neste contexto que Isamu Okamoto, engenheiro e projetista de motores da Suzuki na Década de 80′, resolveu inovar e criar uma moto com a potência de uma 1000cc mas com o peso de uma 600cc. E assim, em 1985 “a lenda começa”, como profetizava o anúncio de lançamento da GSX-R 750. Como a moto está completando neste ano (2015) seus 30 anos de vida ainda em produção, é impossível dizer que eles estavam errados.
Mas esta afirmação não se deu por conta da consulta dos projetistas a nenhuma vidente ou cigana de tarô! Foi pura ciência. Ahhh, ciência, sua linda! Como nos traz alegrias regadas de adrenalina… Graças a “ela” e à Suzuki (claro), pela primeira vez um piloto de fim de semana poderia dominar uma motocicleta com tecnologia diretamente derivada das pistas de corrida.
A lenda nascia após nove vitórias em 11 provas disputadas
Considerada uma versão menor da GS1000R, moto de pista oficial da marca, a GSX-R 750 foi a primeira da categoria a usar um quadro de alumínio que era 8kg mais leve do que os usados na época, além de carburadores com sistema guilhotina com pistonetes achatados (muito mais eficientes e com respostas mais agressivas que os tradicionais com sistema a vácuo), freios com discos duplos com pinças de quatro pistões, suspensão dianteira com sistema anti-mergulho e arrefecimento misto de óleo + ar, o que diminuía consideravelmente o peso em relação aos radiadores com líquido, embreagem a seco e muitas outras qualidade radicais. Tudo isso era derivado diretamente das pistas, por isso a comparação (não exagerada, por sinal) com a moto de competição da marca japonesa. A moto pesava apenas 176 kg e rendia 106 cv de potência, o que era uma relação peso x potência revolucionária para sua época! Tão eficiente que no ano de lançamento a GSX-R 750cc venceu algumas provas no campeonato de Superbike dos Estados Unidos e foi ainda campeã do Campeonato Inglês de Motovelocidade, humilhando as adversárias com nove vitórias em 11 provas disputadas! Nada mal pra uma recém nascida com menos de um ano de mercado.
A partir daí as concorrentes começaram a seguir a receita de “emplacar” motos de corrida, colocando no mercado motocicletas cada vez mais parecidas com as motos de competição. Já prevendo que isso aconteceria, a Suzuki passou a reformular e atualizar sua máquina praticamente a cada ano que passava. Em 1986, ano em que o modelo chega nos EUA, ela já estava com diferenças em relação ao modelo de lançamento: a balança foi alongada em 25mm pra diminuir as empinadas involuntárias, além de ter recebido algumas pequenas modificações no cárter e faróis. No ano seguinte, em 1987, a moto ganhou mais autonomia com o tanque aumentando de 19 para 21 litros, o diâmetro das bengalas passaram para 41mm para que sua suspensão pudesse agora ser ajustada eletronicamente, mais uma tecnologia vinda diretamente das motos de competição da Suzuki. Para se ter idéia de como este modelo era revolucionário, estas suspensões equipavam a moto usada nas pistas de corrida no ano anterior. Era literalmente “Tecnologia e desempenho de pista por um preço acessível”, como diziam seus anúncios publicitários! Nada de papo de vendedor! Sua pilotagem e resposta quando acelerada eram tão agressivos que ela chegava a ser perigosa para pilotos menos experientes.
Em 1988 a GSX-R 750 passaria por sua primeira modificação radical. O motor foi totalmente remodelado para acomodar o novo pistão com curso menor, mas com rotações mais altas. Ela passava para 748 centímetros cúbicos reais, mas agora com novas válvulas maiores. Já os carburadores, antes explosivos demais e difíceis de domar, agora passam a ser da marca Mikuni de 36 mm de diâmetro, operados a vácuo. A moto continua potente, porém bem mais controlável. A suspensão dianteira aumenta para 43mm de diâmetro e as novas rodas com três raios agora passam a ser calçadas com pneus 160/60 na traseira e 120/70 na dianteira. Uma moto completamente nova ganha as ruas e os corações dos apaixonados por corridas.
Mas, pra não perder o costume, agora com cinco anos de idade (1990) a marca japonesa presenteia o público com algumas poucas mudanças estéticas, mas com profundas alterações mecânicas e ciclísticas. O Chassi e a balança traseira sofreram alterações para se ajustarem à roda traseira que passava a ser um pouco mais larga, mas manteve-se a mesma medida de pneu. A suspensão dianteira passou a ser invertida (mais eficiente para motos esportivas) e com isso a mesa teve que ser mudada pra se ajustar às novas medidas. Ela recebeu também um amortecedor de direção e o motor também foi completamente modificado, voltando a ter um curso de pistão mais longo, voltando aos 749 centímetros cúbicos iniciais, mas ainda chegando às 13.000 rotações por minuto. Para aguentar o “tranco”, foram criadas também novas válvulas de admissão e exaustão, recebendo também carburadores maiores modelo BST30SS (38mm) com circuito especial de altas rotações. Para “resfriar” isso tudo, um novo radiador também foi fabricado do zero, mas ainda funcionando a óleo e ar. Em relação à estética, as entradas de ar das carenagens ficaram mais arredondadas e o pára-lamas dianteiro também era novo. A ponteira 4×1, que nos modelos anteriores mudavam apenas de cor ano após anos (de 85 a 87 na cor metálica, em 88 preto e em 89 metálico novamente), agora também foram totalmente reformuladas para se adequar às novas válvulas e carburador. Por fora as mudanças parecem poucas, mas na pilotagem, era uma nova moto.
Em 1991 ela é melhorada mais uma vez, com mais mudanças significativas. No design, as principais alterações fora na frente da moto, que deixou de ter dois faróis redondos. Eles foram substituídos por um farol em formato triangular, mais aerodinâmico. Já a lanterna traseira passou a ser dupla, e o banco foi trocado por um mais macio. Afinal, bunda doendo no meio de uma corrida também diminui o rendimento, né? Ela também recebeu alterações no comando de válvulas, que agora tem um excêntrico (peça que controla a abertura das válvulas) para cada válvula. Antes era apenas um excêntrico por cilindro, que comandava uma das válvulas e passava o movimento para balancins se encarregavam das outras três válvulas. Assim, todo o cabeçote foi modificado para se adequar as mudanças. E, pra não perder o costume, e pneu traseiro mudou novamente, agora para um de 170mm. Apesar de melhorar o desempenho, essas mudanças fizeram com que a moto ganhasse 15 kg em relação ao modelo anterior.
A partir de 1992 a GSX-R 750 passou a ter arrefecimento líquido pela primeira vez desde que foi criada e teve o chassi e suspensões revisados, além da carenagem que também mudou de cara. Em 1994 os japas mexeram tanto na bichinha para melhorar o consumo e níveis de emissão de poluentes que acabaram fazendo com que ela perdesse potência. Mas quem importa? Afinal, agora ela tem bengalas do garfo anodizadas em azul! UAU! Pra quê potência? (Obs: não é rasgação de seda. É só ironia mesmo… E claro, a moto continua muito potente!)
Em 1995 o chassi foi novamente reforçado. Como a idéia era ser leve, desde sua criação seus quadros sofriam com torções e assustavam alguns pilotos. Dessa vez regularam melhor o motor e ele ganhou mais potência, mas também ganhou um pouco mais de peso. Esse regime parece não estar dando certo. A moto, que tinha o conceito de leve, começa a ganhar alguns quilinhos pelo fato de ser complicado colocar muita potência em estruturas leves. Mesmo com este contratempo, a parte alta da carenagem foi remodelada e a moto ganhou em aerodinâmica, fazendo com que ela ganhasse mais inclinação nas curvas, a tornando mais competitiva e radical. Pra ressaltar que se tratava mais uma vez de uma moto renovada, as bengalas da suspensão agora recebem inadização em cor de alumínio natural.
Em 1996 uma versão anabolizada chamada “Suzuki Ram Air Direct” ou SRAD
Passados alguns meses, os projetistas da Suzuki já não estava satisfeitos e achavam que as pequenas mudanças já não estavam mais funcionando. Então, um ano depois (em 1996), mais uma moto completamente nova é colocada no mercado. Como pra eles não bastava uma moto qualquer, teria sempre a GSX-R 750 que ser uma campeã, mais uma vez ela recebe tecnologia vinda diretamente das pistas de corrida. O quadro agora é praticamente o mesmo da Suzuki RGV 500 GP de competição e no motor, mais uma mudança radical. Além da tampa do cabeçote ser de magnésio (como desde o começo), agora a embreagem e o motor de partida também são feitos da mesma liga. Dessa vez o regime funcionou e esta atleta perdeu 20 quilinhos que veio ganhando desde o começo dos anos 90. Agora com 179 kg e 118 cv de potência, volta a estar em plena forma, e com umas pequenas mudanças estéticas na carenagem também, além de uma ponteira de escape nova e suspensões completamente ajustáveis, muito importante para melhorar o desempenho para quem sabe regulá-las de acordo com o peso do piloto e características da pista onde a moto vai ser usada. Não bastando tudo isso, a partir deste modelo todas as próximas GSX-R 750 passariam a ser equipadas com o “Suzuki Ram Air Direct” ou apenas SRAD, que é um sistema de admissão forçada de ar por entradas que ficam na parte da frente da carenagem. Enquanto mais rápida a moto está, mais forte o vento é direcionado diretamente pra caixa de ar fazendo com que a potência da moto aumente consideravelmente como uma espécie de “turbo”. A sigla, em inglês, soa como “It’s Rad”,uma abreviação de “que radical!” em português. E, claro, pra não perder o costume, o pneu traseiro também mudou, passando agora para um com as medidas 190/50-17.
No ano seguinte ela sofre apenas pequenos retoques, mas nada significativo, e em 1998 finalmente a moto recebe sistema de injeção eletrônica, o que aumenta sua potência para 134cv! No próximo ano, pra não dizer que não fizeram nada, a roda traseira (sempre ela) é aumentada para 6 polegadas, e nada mais. Este é o último ano do modelo chamado de SRAD, apesar de aqui no Brasil ela ser até hoje chamada por este nome. Vale ressaltar que apenas o nome SRAD deixa de ser usado no modelo, mas o sistema SRAD continua a ser usado nelas até os modelos produzidos hoje.
O ano 2000 é comemorado com a chegada de uma GSX-R 750 (mais uma vez) completamente nova. Mas, pela primeira vez, ela fica mais “magrinha” esteticamente. A traseira grande e arredondada dá lugar a uma rabeta pontiaguda em formato de flecha, muito mais moderna. A frente também se torna bem mais atual e aerodinâmica, com um farol em formato hexagonal pontudo, que a faz ser chamada pelos fãs norte-americanos de “Superman”, pela semelhança da nova peça com o símbolo do herói. Logo ela chama a atenção no mundo todo. Mas as atualizações não ficam só na estética. O painel agora deixa de ser analógico e passa a ser em cristal líquido (LCD). O motor agora é completamente novo, mais compacto e potente. A injeção eletrônica também é nova. A caixa de ar também é nova e maior que a do modelo anterior, pra se adaptar ao sistema RAM AIR (admissão forçada de ar, como no SRAD) que foi melhorado. O chassi foi todo remodelado e a balança ficou um pouco mais longa, novamente pra evitar as empinadas involuntárias, já que a potência aumentou mais ainda. As rodas também foram substituídas por rodas inéditas, mais leves. O sistema de arrefecimento também foi todo revisado e, por fim, uma ponteira nova em aço inox! Pra segurar isso tudo, claro, freios muito mais modernos também foram instalados na completamente nova GSX-R 750! Um verdadeiro “banho de loja” pra comemorar os 15 anos desta bela e radical debutante!
2003 – Um ‘cérebro’ e 32 bits
A partir daí, até 2003 ela só recebeu mudanças na pintura e mapeamento na injeção eletrônica. Pelo jeito, não havia muito a melhorar, já que até então, os engenheiros da Suzuki mexiam no modelo ano após ano. Em 2004, as válvulas passam a ser de titânio, o chassi e a balança agora são pintados de preto e os freios agora são radiais. Mas a mudança mais significativa é na injeção eletrônica, que recebe uma ECU de 32 bits. A ECU é “cérebro” do sistema de injeção eletrônica que faz diversos cálculos em altíssima velocidade, recebendo informações de praticamente todas as partes do motor e quando algo está fora do normal, ela é responsável por acender aquela luzinha amarela (que ninguém quer ver acesa) com um símbolo do motor que tem no painel de carros e motos injetados. Com 32 bits, o sistema se torna muito mais rápido nos cálculos e mais confiável. Ela agora pesa 163 kg, o mesmo que as esportivas de 600cc, mas muito mais potente!
Anos se passam e mais uma vez as mudanças são mais estéticas do que técnicas, mas sempre dando uma melhorada em aerodinâmica. A próxima alteração significativa se dá em 2006, com mais uma vez novo chassi e novo motor, com curso mais longo e câmbio mudado de posição. O sistema de arrefecimento também foi revisado com o objetivo de diminuir novamente o peso. A carenagem também foi bem modificada em sua lateral, assumindo a aparência bem mais moderna e agressiva. A ponteira de escape deixa de ser grande e pela primeira vez é apresentada uma bem curta e discreta, que não chega nem ao cubo da roda traseira!
Agora parece que os japoneses estão mais quietos, aproveitando mais o que criaram do que fazendo alteração constantes. Isso também é conseqüência da crise econômica mundial de 2008, que afetou a fabricante japonesa. Mesmo assim, no ano de início da crise ela deixa a ponteira curta e passa a usar uma que fica um pouquinha mais longa, deixando-a até um pouco mais agressiva.
E em 2011 eles decidem atualizar mais ainda a moto e ela fica mais fina. Com algumas mudanças, os engenheiros conseguem deixá-la 9 kg mais leve. Dentre elas estão um novo painel derivado da GSX-R 1000, freios com pinças a marca italiana Brembo e embreagem deslizante, que melhora muito o tempo dos pilotos nas reduções de marcha, eliminando o chamado “freio motor” (apesar de, como sempre diz meu ranzinza professor motociclístico Tite Simões: “motor não freia! Motor acelera! Isso “non ecxistê!” Mas isso já é assunto para outro texto…)
Pressione ‘A’ para voar e ‘B’ para passear
Hoje a Suzuki continua seguindo a mesma receita e fez algumas mudanças para o modelo 2015, que pesa 190 kg em ordem de marcha (com todos os fluidos do motor, como óleo do motor, líquido de arrefecimento, combustível etc) e tem potência máxima de 148cv! Ela vem equipada ainda com o sistema Suzuki Drive Mode Selector, que dá ao piloto a opção de ajustar o motor entre dois mapeamentos diferentes da injeção eletrônica. No modo “A” a moto libera toda a potência do motor; no modo “B” é liberada apenas 70% da potência total, ideal para pilotos inexperientes, dias de chuva ou apenas para quem quer passear com a moto sem uma pilotagem com pretensões radicais, evitando respostas agressivas na aceleração. O chassi, que foi atualizado em 2014, é completamente novo! As válvulas e bielas do comando também foram atualizadas com modelos mais resistentes. O farol, apesar de possuir um desenho semelhante, diminuiu de tamanho e agora tem um formato mais de gota. A moto está ainda mais fina (em 5mm menos que o modelo anterior) e a suspensão dianteira foi substituída por uma mais moderna e 1,1 kg mais leve. O amortecedor de direção eletrônico deixa o guidão mais “leve” em baixas velocidades e progressivamente mais rígido de acordo com o aumento da velocidade, evitando assim a perda de controle da direção quando a moto estiver muito rápida. A suspensão traseira também foi atualizada e ficou 680g mais leve que o modelo anterior, além de ter a balança completamente nova pra se adequar ao novo chassi. A ponteira também é nova e tem o silenciador feito de titânio e com uma válvula pra regular a saída dos gases, melhorando assim o torque em baixas rotações, além de ter ficado 1,1kg mais leve. Ela recebeu também novo banco, nova lanterna traseira e até a roda ganhou um novo desenho.
Neste ano (2015) a Suzuki volta ao Campeonato MotoGP, que ela abandonou desde 2011 por conta da crise mundial economica. E pra comemorar não só este feito, mas também os 30 anos de sua máquina de corrida, a GSX-R 750 recebeu roupa de gala, vindo com a mesma pintura das motos que irão disputar o mais importante campeonato de motovelocidade do mundo!