Clássicas do Otoch – Ducati: O nascimento de um Monstro
No início dos anos 90, com a enxurrada de grandes motos japonesas entrando no mercado com preços competitivos, as fortes emoções que a marca italiana Ducati despertavam nos consumidores agora não pareciam mais tão intensas. O “namoro” com os fãs estava agora abalado e a marca de Borgo Panigale passava com uma certa crise financeira.
Uma das alternativas para que a marca saísse dessa má fase foi pensar em uma moto que fugisse do estilo esportivo e pudesse ser customizada, ou seja, uma moto pensada para o mercado norte-americano, onde os consumidores além de apaixonados por suas motos, também gostam de modificá-las bastante, instalando nelas diversos acessórios, sendo muitos deles produzidos pelas próprias montadoras, o que aumenta consideravelmente o lucro das fábricas.
Foi nesse contexto que o grupo italiano Castiglione-Cagiva, que também fabrica motocicletas (Cagiva) e na época era dono da marca Ducati, lançou nos EUA a nova promessa: Ducati Indiana 650! Tentando seguir as custom da Harley-Davidson (que tem grande parte de seus lucros vindos dos acessórios da própria marca disponíveis para todas suas motos), a Indiana tinha um visual que tentava imitar as Harleys, mas com seus motores com comandos de válvulas desmodrômicos (que é a grande marca da Ducati), não fez o mínimo sucesso com os donos de custom. Na verdade, não fez sucesso foi com ninguém! Ela foi produzida entre 1986 e 1990 e vendeu apenas 2138 unidades.
Donos de Harley-Davidsons têm como seu maior passatempo mexer em suas motos, fazendo eles mesmos as regulagens e pequenos reparos. Na Harley, os motores são muito simples e descomplicados. E isso é simplesmente quase impossível com as válvulas desmodrômicas italianas. O desempenho é espetacular, mas para regular estes motores é preciso muita precisão, técnica e conhecimento. Dá pra fazer? Dá… Com muito estudo e precisão. Mas caso você faça algo errado, é facílimo detonar o motor para sempre. Tanto que quem consegue isso sem um curso específico da fabricante, facilmente pode abrir sua oficina, pois vai chover de clientes onde não há concessionárias.
“Turística carenada”
Em 1991, a “turística carenada” Paso 907 ganhava injeção eletrônica, mas ainda ficou longe das vendas esperadas. No mesmo ano, a topo de linha era a esportiva Strada 851, mas que passava a custar cada vez mais caro do que as japonesas. Com as vendas em queda, a Ducati não conseguiria mais se manter “viva” por muito mais tempo se não desse um tiro certeiro em pouco tempo.
Para evitar um novo constrangimento, nenhuma outra “cópia” do que já era conhecido entraria no line-up da marca italiana. Foi pensando em algo completamente novo (e que dessa vez fosse altamente vendável, claro) que Massimo Bordi, engenheiro e diretor técnico da Ducati na época, encarregou o designer argentino Miguel Galluzzi do novo projeto.
As diretrizes passadas por Bordi era que a nova criação deveria ser uma roadster, que pudesse ser usada nas vias urbanas em pequenos deslocamentos sem forçar tanto a postura (como numa superesportiva) e que tivesse potência e qualidade também para pegar uma estrada eventualmente. Massimo queria uma moto que tivesse definitivamente o DNA fino e agressivo da Ducati, que fosse prazerosa na pilotagem, econômica na linha de montagem e que pudesse ser customizada. Miguel Galluzzi disse que na mesma hora pensou: “eles queriam a moto que Marlon Brando pilotaria se o filme “O Selvagem” fosse filmado nos dias atuais”!
O conjunto “musculoso”
Ela seria tanto agressiva, quanto o mais minimalista possível. Pra manter os custos baixos, Galluzzi optou por não criar peças novas, mas usar o que a fábrica já produzia. Ele usou como ponto de partida o motor e parte da frente da Supersport 900, o quadro da Superbike 851 e o garfo da Supersport 750. Para complementar o conjunto, foi desenhado um tanto “musculoso”, que junto ao quadro de treliça aparente (uma obra de arte por si só, que antes ficava escondido nas carenagens das motos esportivas) formou uma moto robusta e com aparência poderosa, denominada convenientemente de “Mostro 900”.
Até então as grandes motos japonesas de motor aberto era potentes, mas não tinham os componentes esportivos que a nova “naked” da Ducati possuía. As grandes motos de vários cilindros (se quiser saber mais, leia minhas colunas sobre CB750 e Z1300) eram potentes, mas não tinham tanto controle. Um quadro com entreeixos curto fez com que a “Mostro” contornasse curvas e mudasse de direção como nenhuma outra; o garfo com suspensão dianteira invertida, até o momento, só era oferecido em motos esportivas, e nunca em uma sem carenagem; além disso, ela tinha um visual agressivo e inovador que não lembrava em nada as motos urbanas de “tiozão” de sua época. Galluzzi comentou que a inspiração para o modelo foram as motos esportivas que os donos retiravam as carenagens para que não as danificassem em eventuais tombos, prática muito comum nesta época (e até hoje) nos EUA, onde o designer argentino morou durante um tempo.
A “Mostro 900” chegou!
A “Mostro 900” foi apresentada no Salão de Colônia em 1992 e foi um sucesso com o público e mídia. Mesmo assim, prudente com os gastos e sem querer apostar as fichas que não tinha, em 1993 ela entrou no mercado e foram fabricadas apenas 1000 modelos, que logo se esgotaram. A moto fez um sucesso tão grande que em 1994 foi apresentada a versão um pouco menor, a “Mostro 600”. Em 1996, o grupo norte-americano Texas Pacific Group comprou da Cagiva 51% das ações da Ducati. Neste mesmo ano a “Mostro” passa a ser agora “Monster”, e entra em linha a versão 750cc. Agora tem uma “Monster” com potência ideal para cada tipo de piloto. E o melhor, elas são altamente customizáveis do jeito que o mercado americano adora, e também dando mais lucro à fabricante, que disponibilizava diversos assessórias aos donos apaixonados por suas motocicletas! Tanto que em 1998 entra em linha a versão “Monster 600 Dark”, completamente preta. Afinal, nada melhor do que uma tela “em preto” para começar a fazer as modificações nas cores de sua motociclesta. Mas sabiam os executivos, mas a partir daí as Monsters seriam responsáveis por mais de 50% das vendas da Ducati, assim sendo até hoje!
No outro extremo, no mesmo ano a marca italiana lança a Monster Cromo 900, com um tanque brilhante o sificiente para ofuscar a vista de qualquer cidadão a metros de distância, do jeito que o público norte-americano adora! E esse brilho todo fez o maior sucesso não só no tanque, mas em toda a gama de acessórios reluzentes disponibilizados pela Ducati para que os usuários pudessem customizar suas Monsters. Também foi lançada a versão 900 S, com atualizações no desempenho. No ano 2000, os modelos de maior cilindrada passam agora a ser equipados com injeção eletrônica. Em 2002 todos os modelos passariam a receber o sistema.
Desde seu lançamento, a maior das mudanças viria em 2001 quando a evolução da Monster dá um passo a mais e a Ducati lança a versão S4, com o famoso motor Desmoquattro de 916cc com arrefecimento a líquido (o mesmo usado pela superesportiva Ducati Strada 916, uma das motos mais importantes não só da marca italiana, mas da história das motocicletas! Um dia ainda vou contar a história dela…) fazendo da potente roadster agora uma verdadeira superbike “pelada”, capaz de dar trabalho a muitas superesportivas carenadas em qualquer pista num dia de “track day”.
O público deu uma resposta positiva e gostou muito da “nua” ser cada vez mais apimentada e pouquíssimo tempo depois, em 2003, ocorre mais uma mudança radical: os modelos 900 e 750 são deixados de lado e substituídos pelos novíssimos 1000 e 800 respectivamente.
Até então diversas mudanças em desempenho e atualizações foram feitas, cilindradas foram mudadas em todos os modelos e até pequenas alterações estéticas foram feitas, mas sempre preservando o DNA da primeira Monster lançada. Os designers da marca de Panigale nunca seriam loucos em mudar isso tendo em vista a imensidão de fãs que são altamente puristas para com as linhas do modelo mais vendido da Ducati.
A mais recente alteração feita nela foi realizada no ano passado (2014)e chegou no Brasil neste ano. Não só o motor de 1100cc foi deixado para trás, mas também a estética foi alterada, deixando o design da moto ainda mais agressivo, sem fugir das linhas originais, claro. Ela foi apresentada pela primeira vez no Salão de Milão em 2013 (antes de estar disponível no mercado) e ganhou o título de moto mais bela do salão pelo voto dos visitantes do evento. Equipada com o mesmo motor da Mulstistrada e da Diavel, a nova “monstra” despeja uma potência de 135 cv na versão básica e 145cv com um insano torque de 12,7 kgf.m em apenas 7.250 RPM na versão “S”, para apenas 182 kg (seco)!
Como foi falado no começo, como não adianta ter potência se não tiver controle, ela vem equipada suspensões e freios superpotentes, além diversos componentes eletrônicos para uma pilotagem mais segura, como controle de tração em oito níveis e um seletor de três mapas diferentes de potência (Sport – para uma pilotagem agressiva; Touring – para pegar a estrada com segurança; e Urban – pra passear na cidade sem tomar sustos ou derrubar o garupa com uma arrancada brusca). Como ela conta com acelerador sem cabos altamente preciso e a potência é enorme, qualquer espirrinho seria o suficiente para uma empinada involuntária ou um tombo! Mas tudo isso faz parte do DNA cada vez mais esportivo dela! Afinal, não se poderia esperar mansidão no comportamento de uma moto que se chama “Monster”, né?