Era uma vez na América…

Sessenta dias atrás. Reunião estratégica. O panorama de mercado é bom, mas o boletim meteorológico do mercado alerta para risco de chuva forte. A decisão agora seria acreditar na previsão do tempo ou apostar que os sinais não deveriam ser levados em consideração. O céu estava azul e nada impedia de seguir adiante. Mas a decisão foi outra.

A ordem era clara: – ” Precisamos nos preparar para uma tempestade forte. Dessa forma vamos reforçar nossos estoques, alinhar custos e preços e nos preparar para passar dois meses sem grandes sustos. Sessenta dias depois da chuva forte é quando este mercado poderá começar a acalmar.”

A equipe entendeu o recado e começou a reforçar estoques, ajustar custos e alinhar preços. Em segredo tudo estava sendo preparado como um plano estanque e modular para ser executado no momento certo.

11 de setembro de 2008. O tempo começa a fechar. As notícias sobre uma fiasco financeiro começam a circular de forma mais intensa. O céu fica cinza e o vento começa a mudar de direção. Os sinais são claros e as últimas ações ficam prontas a espera do momento certo para executá-las. Começa a chover e a chuva piora. O plano é executado. A monitaração do tempo do mercado aponta para uma tempestade forte e as ações são implementadas. Alinhamento de preços, ajuste de estoque, renegociação com fornecedores, novas campanhas, mudança no marketing e comunicação aos gerentes e vendedores a respeito do estava acontecendo e o por vir. A situação era de turbulência, mas apesar do barulho da tempestade não cabia pânico. Foi avisado que o desespero se instalaria em outras empresas e que por conta disso perderíamos negócios, mas estávamos preparados e seguros para poder atravessar com segurança a tempestade.

Pode parecer um filme, mas recentemente vivi isso na pele e a adrenalina que isso gera é incrível. Estou falando da crise que foi gerada na nos EUA e que, por conta do dólar, chegou aqui no Brasil e atacou alguns segmentos, dente eles o de informática. Os aumentos médios ficaram na média de5%. Mas nesse cenário existem dois tipos de crise. A primeira é para as empresas de varejo que compram em dólar, vendem em reais e pagam em dólares. Para outras a crise era para empresas que compram em reais, vendem em reais e pagam em reais. As primeiras ficaram ao sabor dos ventos e das ondas. Perderam o rumo e passaram a jogar lastro no mar para aliviar peso. As outras continuaram navegando, ajustando suas velas diariamente e não adquirindo nenhum peso novo a bordo.

Mas o que estava acontecendo? Por que de tudo isso?

Vamos à América. Há alguns anos atrás o mercado financeiro acreditou que o melhor era investir em imóveis e decidiu apostar nas hipotecas como uma forma de ganhar dinheiro mais rápido e mais fácil. Em um dia qualquer, nesse período, alguém hipoteca a sua casa por 100 mil dólares, recebe o dinheiro e investe no seu negócio. Meses depois o banco liga informando que seu imóvel se valorizou bastante e que sua casa valia 130 mil dólares. No mesmo telefonema informava que havia à sua disposição um crédito suplementar de 30 mil dólares, os juros eram tentadores. Era hora de antecipar aquela viagem, aquele barco ou um carro novo. Começava aqui uma das maiores irresponsabilidades já cometidas no mercado financeiro. Meses depois aquela casa valia bem menos, mas bem menos que do que estava erradamente avaliado e ai a conta fica pesada e muitos perderam suas casas e passaram a morar em trailers, carros ou em casas bem menores. O efeito seria devastador. Os papéis, anteriormente tido como altamente confiáveis não valiam mais nada e a bola de neve desceu a montanha e começou o estrago de mais de 4 trilhões de dólares.

Miriam Leitão, comentarista do O Globo bem definiu essa situação ao dizer que “todo mundo ganhava, todo ativo subia e aí ninguém se protegeu contra os riscos. Só nesta semana, US$ 4 trilhões desapareceram das Bolsas de Valores. São quase R$ 9 trilhões. Três Brasis desapareceram em uma semana. Este dinheiro, na verdade, é um dinheiro um pouco virtual, porque as pessoas só teriam esse dinheiro na mão se vendessem as ações. O prejuízo só vira realidade se você vende ação, tornando-o real.” E ele virou prejuízo e foi no mundo inteiro. O mercado que se vangloriava que nunca ia quebrar e que se o mundo quebrasse ele seria o último a cair, caiu primeiro, e arrastou, uma parte do mundo com ele.

Estava estabelecida uma crise de confiança e o mundo não acreditava no pessoal da Rua do Muro. O dinheiro virtual sumiu e o verdadeiro, aquele que realmente existia, não dava para todo mundo cobrir os prejuízos e os bancos, que vivem do dinheiro dos clientes, também estavam sem caixa. A bolha imobiliária e seus papéis podres estouraram e estilhaços se espalharam pelo mundo. A moeda americana estava escassa, faltava dinheiro no mercado e ela se valorizava prejudicando vários negócios que confiaram na maior economia do mundo. Mas ainda existia um Bush a tentar usar a sua credibilidade virtual para evitar um problema maior. Foi pior. Numa total prova de falta de articulação política e um erro de contas grave, o projeto deixou de ser aprovado por apenas 13 votos e a coisa ficou ainda pior. Acorreram muitos outros e até os candidatos a presidente tentaram, mas a questão não era apenas política, mas de referência. O mundo havia perdido a sua principal referência e era ‘cada um por si e Deus por todos’. Mas articulações rápidas ajustaram o estrago na esperança de apenas administrar o prejuízo. Mas o mundo capitalista corre o sério risco de precisar ser estatizado para ser salvo. Será que se desenhava a vingança socialista? É cedo demais para falar, mas um gostinho diferente pintou na boca dos comunistas de plantão.

Apesar de todas as intervenções, aqui no Brasil, o dólar teima em tentar manter-se em alta. Para quem opera com varejo nada mais restava a fazer a não ser aumentar preços e segurar compras.

Na semana passada ninguém queria comprar ou vender. Fornecedores seguraram suas vendas e varejistas adiaram compras na esperança de dar um tempo para ver como as coisas ficavam. Fabricantes suspenderam seus contratos com magazines para fornecimento de computadores OEM pois não poderiam honrar as políticas de preços dos grandes. Assim, o médio varejo e as empresas que se prepararam viram a oportunidade de crescer.

Quem se preparou antes para este momento, viu nesta crise uma oportunidade. Os que não estavam preparados e sem planos e ainda navegavam por cartas antigas viram seus ‘barcos fazerem água’.

Todo mercado funciona em processo de seleção natural e não seria diferente pensar que essa farra um dia acabaria e como em toda farra, quem não toma precauções acorda numa tremenda ressaca. Diariamente, por umas duas semanas vi orçamentos de venda que mostravam a agonia daquelas lojas que tinham contas a pagar em dólar. Uma queima grande de preços. Nas outras, não.

De um lado a imprensa falava de pânico e alertava a não comprar. Outro erro. Esta é uma boa hora para comprar. O consumidor que adiar compras perderá oportunidades interessantes, pois os preços de hoje ficarão no passado dessa crise que ainda dura até 4 de novembro, época que o povo americano acordará do sono letárgico da Era Bush. Não era de estranhar, pois no documentário Fahrenheit 09/11 de Moore, Bush quebrou todas as empresas que criou ou administrou. Não era de estranhar que ao final de oito anos fizesse o mesmo com a América e o resto do mundo. Outro castigo dessa crise foi a queda da credibilidade do FMI que no Século passado nos aterrorizava, chegando por vezes a dar ordens na economia dos países em desenvolvimento como o Brasil. Hoje estamos fora do FMI e quem viveu essa época não esquece como eles agiam quando andavam por aqui nas suas missões internacionais.

Esta crise assim como as outras de 1873, 1929, o Choque do Petróleo, o Estouro da Bolha da Internet e a Crise Imobiliária ( do momento ) vai passar e teremos um novo cenário pela frente. A questão agora é saber quem foi um bom empresário ou não. A GM perdeu tanto que suas ações passaram a valer o mesmo que valiam na década de 30 do Século passado. Um absurdo da falta de referência e da falta de confiança.

Neste cenário, numa reunião com um grupo de gerentes eu abri citando duas frases que estão mantendo a tranqüilidade da equipe.Quem se planeja e

entende os sinais do mercado entra para o seleto grupo daqueles que vendem lenços para aqueles que por chorarem suas perdas precisam comprar lenços.

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Redação Geral

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