Ingenuidade: um pouco sobre a nossa credulidade no trânsito
Quando o piloto se prepara para fazer uma ultrapassagem, olha para frente ou para os espelhos retrovisores de sua moto? Talvez a resposta seja óbvia. Em um primeiro momento deve olhar para os retrovisores, pois outros que estão atrás também podem estar ultrapassando. Em um segundo momento deve olhar para frente, pois o veículo à frente poderá estar mais lento do que sua velocidade de ultrapassagem, ou até mesmo parado, podendo o motociclista causar uma colisão traseira com o veículo da frente.
Um dia desses presenciei um acidente onde um motociclista saiu da frente de outro para deixar ser ultrapassado. Sabe aquele momento em que se olha no espelho retrovisor e se esquece (ou não dá tempo) de olhar para frente? Pois bem, esse motociclista se esqueceu disso e acabou colidindo com um carro mais lento à sua frente, ou seja, acertou ao olhar para o retrovisor, porém errou ao demorar para olhar para a frente novamente.
O contrário pode acontecer, quando o piloto quer ultrapassar e não olha para o espelho retrovisor e, assim, não percebe a presença de outro veículo querendo ultrapassá-lo. Isso sem contar com outras atitudes alheias, como pedestres atravessando por entre os carros, animais na pista e etc.
Será que estas atitudes se caracterizam como falta de técnica na pilotagem? Ou será um pouco de ingenuidade da parte do ser humano quando dirige ou pilota? Um dicionário traduz ingenuidade como simplicidade extrema, falta de bom senso prático, credulidade excessiva, candura, singeleza.
Insisto na tese que os acidentes são causados principalmente por falta de um bom comportamento humano. Ser ingênuo no trânsito é acreditar que os outros não erram. Ser ingênuo é acreditar que aquele que o pressiona para ultrapassá-lo irá parar de pressioná-lo. Ser ingênuo é acreditar que os outros o respeitam. Ser ingênuo é acreditar que todos obedecem as leis, assim como você foi ensinado a obedecer.
Porém, ser ingênuo não significa falta de atenção ou falta de habilidade na condução, ou mesmo de ser imprudente. No exemplo do acidente mencionado acima, mesmo se o piloto em questão usasse de técnicas de frenagens adequadas, ou de desvios rápidos de obstáculos, dificilmente não se acidentaria, pois não haveria tempo e espaço para tais usos.
Pilotar uma moto não é somente treinar técnicas defensivas ou preventivas, mas também treinar os sentidos, equilibrar as emoções e colocar a razão à prova. Ultrapassar com segurança é, na verdade, focar um “olho no peixe e o outro no gato”, isto é, não dar 100% de atenção a um só local no trânsito, e sim priorizar o mais importante na dinâmica de seu espaço e não se esquecer no que está à sua frente, ao seu lado e atrás.
Em seu livro “Motos, guia para o motociclista principiante”, Luis Sucupira diz que é a hesitação que faz com que o acidente aconteça. Mas o que é a hesitação: indecisão, dúvida, incerteza, vacilação. Ou seja, se você não sabe o que fazer, melhor não fazer. Ao menos no trânsito é mais seguro esperar do que vacilar. Assim você não coloca em risco quem vem atrás.
O motociclista deve estar bem equilibrado em suas emoções para não ter dúvidas em suas decisões. Por isso não seja ingênuo, perceba os riscos e se defenda deles.
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Texto de Carlos Amaral, diretor operacional da Carlos Amaral & Zuliani Motorcycle Training, palestrante e instrutor de pilotagem defensiva da Porto Seguro Cia de Seguros Gerais e Instrutor de Trânsito do Detran, sob o nº 30.930. Fotos de Geórgia Zuliani e do Blog “Por Vias Seguras” – Agradecimentos a Luis Sucupira