Mercado: Quem tem medo do 'Lobo-Mau'?
O telefone toca e um amigo me pergunta com a voz triste como andam as vendas. A pergunta foi feita nesta semana que antecede o esperado pico de vendas do Natal e a liberação do 13º. Respondi que ainda tinham que melhorar bastante para ficarem boas. Ele reclama que os clientes haviam sumido e perguntava se eu não estava nervoso. Disse que não. Preocupado sim, mas nervoso não. Ai eu brinquei com ele:”- Você tem medo do Lobo-Mau? Sua empresa foi feita de palha, madeira ou tijolos?” Ele riu e ficou sem entender. Recomendei que relesse o conto de fadas dos Três Porquinhos que ele entenderia o que eu tinha falado.
Acontece que um dado publicado neste início de novembro de 2008, dava conta que a classe C (a grande impulsionadora deste aquecimento no setor de informática) estava com medo de comprar e, como as empresas, ela estava revisando seus gastos. É natural que isso acontecesse. Empresas e clientes têm uma coisa muito em comum: custo-benefício!
O que fizemos este mês? Reavaliamos custos e redefinimos prioridades. O cliente também. O foco era reforçar as bases e fazê-las ainda mais sólidas e contar menos com o acaso. E por isso as compras estavam sendo muito bem pensadas e pesquisadas. Em bom português, a classe C está revendo alternativas e planos. Mas isso não quer dizer que vão deixar de comprar e que acreditem que a crise vai pegá-los em cheio. Não. Apenas a retração que já havíamos debatido aqui há uns dois meses atrás. Está mais para precaução que para outra coisa. Como disse, existe dinheiro, tanto é que o volume de empréstimos aumentou, só que desta vez para quitar dívidas que têm juros maiores e não para consumir.
Esta crise parece abrir os olhos dos clientes para um fato interessante. Outro amigo meu, tido como mão-de-vaca pela turma só compra à vista e o parcelamento é no máximo em três vezes. Hoje, enquanto os outros estão preocupados com as contas ele respira aliviado por estar em bases sólidas e com boas reservas. Este meu amigo não aplica em bolsa e nem compra dólar. Ele se autodefine como um ultraconservador e só aplica em poupança. Polêmicas à parte, quando a gente vê um cenário cinza é que percebemos que esta política é bastante válida. Outro ponto importante é que ele não possui cartões de crédito, cheque especial e nem deseja isso. No máximo ele se permite um empréstimo consignado para fechar uma compra e usa o valor que guardava mensalmente como prestação e nunca passa de três parcelas. Funciona? Sim, funciona. Depois de ouvir o que ele dizia fiquei me perguntando quantos mais consumidores deste tipo temos no Brasil? Onde estariam e como identificá-los? Que hábitos têm?
Uma coisa é certa: eles demoram muito a comprar algo e exigem muita informação. Para este meu amigo, pagar um pouco mais por uma marca boa e que ofereça um bom suporte é fundamental. Ainda é considerado o valor de revenda do produto e sua vida útil. O interessante é que este amigo é da classe C.
A classe C tem uma peculiaridade interessante: a maioria sabe multiplicar os pães. Recente estudo publicado no início de 2008 mostrou que a classe C já é a maioria da população. No ano passado, 46% dos brasileiros pertenciam a essa camada social, ante 36% e 34% em 2006 e 2005, respectivamente. Foi a única que cresceu no último ano. Entre 2006 e 2007, um número cinco vezes maior que no período anterior, quase 20 milhões de pessoas, passaram a fazer parte deste grupo.
A pesquisa feita pelo O Observador Brasil 2008, realizada pela financeira francesa Cetelem com o instituto de pesquisas Ipsos Public Affairs afirma que a classe C reúne hoje 86,2 milhões de brasileiros com renda média familiar de R$ 1.062. A maior parte do contingente que engordou a classe C vem da base da pirâmide populacional, as classes D e E, perto de 12 milhões de pessoas. Outros 4,7 milhões vieram das camadas A/B, que perderam poder aquisitivo. O restante é proveniente do crescimento vegetativo da população.
Os entrevistados foram classificados pela renda, pelo nível educacional e pela posse de bens. O item Posse de Bens é o que cruza com o perfil do meu amigo e aqui um dado precioso que pode apontar para um novo tipo de consumidor que anda por ai e que ninguém ainda percebeu.
Para saber mais sobre esta classe que determinou o crescimento da economia outra pesquisa foi realizada, desta vez para conhecer o que pensa a classe C sobre a crise americana. A pesquisa “Retratos da Crise: As Classes C e D em Estado de Alerta”, feita entre os dias 25 e 31 de outubro pela agência de propaganda McCann Erickson e pelo instituto Data Popular, com 1.720 pessoas das classes C e D em capitais e grandes cidades de sete países da América Latina – Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Honduras, México e Panamá consultou pessoas entre 24 e 60 anos, com renda entre R$ 607 e R$ 3.033 e confirmou que os consumidores das classes C e D no Brasil, que representam 54% da população e que ainda não sentiram os impactos que a crise pode ter no País e em suas famílias, estão apreensivos.
O consumidor está de olho nos preços e no desemprego.
Como já havíamos batido aqui, a pesquisa acabou confirmando o sentimento de que 36% acham que o consumo vai diminuir, devido ao aumento dos preços dos produtos, e 32% pensam que o desemprego vai aumentar e pode afetar sua capacidade de honrar pagamentos. Nesse contexto, 66% dos consultados pretendem cortar despesas. Além disso, cerca de 60% dos consultados já consideram a possibilidade de adiar compras. E como a maioria assiste Bom Dia Brasil, Jornal Hoje e Jornal Nacional, a imprensa e alguns comentaristas econômicos (que estavam sumidos) fazem questão de trazer mais força de pessimismo para dentro de casa. Algo como nossos pais e avós faziam quando falavam do Lobo Mau e dos Três Porquinhos, aqui muito bem representados pela crise (Lobo Mau) e as empresas e classes sociais (os três porquinhos?). Na minha visão, a imprensa poderia ser menos especulativa e mais informativa; menos apocalíptica e mais resiliente (No meio corporativo, o termo “Resiliência” significa reformular os seus processos de negócio para atender a novas exigências do mercado); menos pessimista e mais realista, por que a realidade é que esta crise está criando mais problemas por conta do medo do Lobo-Mau que qualquer outra coisa. Já vivemos e sobrevivemos com dólar em piores condições e passamos por isso. Gosto sempre de lembrar aos meus amigos publicitários que a verba de marketing é a primeira a ser cortada em momentos como este. O que não deveria, mas o mercado é assim. Se cortarem verba de publicidade, faltará grana para anunciar e os veículos de comunicação precisam pagar salários e despesas inclusive dos comentaristas que ao especularem em cima do que falam por aí, acabam por contribuir com a queda de faturamento das suas redes de comunicação. A crise é um problema para outros países. O que nos coube aqui é dançar com o dólar e com isto a gente está acostumado. Está na hora de dar uma refrescada no juízo do consumidor e do lojista. Quanto mais falam do “Lobo-Mau” menos pessoas se arriscam a passear pela Floresta das Compras.
Outro estudo sobre o que esperar de 2009 aponta para algumas possibilidades:
Eletrônicos e eletrodomésticos esperam vendas menores, depois de três anos de bons desempenhos. A queda está relacionada a dois fatores: lucro por decreto e variação do dólar no giro das mercadorias. Mas a ganância parece ser sim o pior de todos os problemas, pois já se constata aumentos superiores a 50% apenas para cobrir o prejuízo gerado nas matrizes de várias companhias americanas e européias. O dinheiro urgente de que precisam virá, advinha de onde? Dos emergentes! Então, olho vivo quanto a este tipo de exploração. Esta conta não é nossa e não vamos pagá-la, principalmente pelos erros dos outros. Os Supermercados aguardam crescimento bem menor nas vendas: 3,5%. Claro! Aumentaram tanto que o consumidor reduziu o consumo daquilo que está injustificável e que pode ter a compra adiada ou substituída. Os Brinquedos chegam de olhos puxados pois a China inundou o Brasil com brinquedos muito baratos e isso pode aliviar o setor. O problema aqui é a qualidade. Já a Construção civil afirma que as obras em andamento não serão paralisadas. Muitos criticaram o governo por tomar medidas de proteção para este segmento. Ocorre que a construção civil movimenta quase cem setores da economia e é um grande gerador de empregos. Quando uma construtora quebra ela arrasta muitas outras empresas e consumidores. É sim um forte impacto. Por fim a Agricultura destaca que a produção de 2008 não será afetada, mas a de 2009, sim. Os produtos mais prejudicados poderão ser soja, algodão e café e não será por que os compradores vão comer menos, mas sim por que elas cairão de preço no mercado internacional.
Mas voltemos ao presente. Ainda segundo a pesquisa “Retratos da Crise: As Classes C e D em Estado de Alerta” o Natal dos consumidores das classes C e D está garantido. A maioria (61%) não fará alterações na festa da véspera de Natal, mas para 66% dos consultados, os presentes serão substituídos por lembranças, e para 55% deles, as férias terão de ser repensadas. Depois do Natal, 75% vão partir para a renegociação das dívidas.
Quais serão os sinais de que a crise chegou para os brasileiros?
Para estes consumidores os sinais de que a crise chegou são o desemprego (46%), o aumento da inflação (32%) e a incapacidade de pagar compras e dívidas (20%). Para 69% dos entrevistados, a crise deve durar de seis meses a um ano enquanto para outros consumidores de outros países deverá passar de dois anos. Entre os entrevistados dos sete países, 80% acreditam que a situação de seu país está igual ou pior do que nos últimos seis meses. Mais de 90% dos brasileiros acreditam que a crise afetará o País, mas 37,9% acham que os efeitos serão fracos.
“Sofreremos menos que os outros países.”
Os brasileiros são os mais otimistas já que 52% acham que outros países sofrerão mais que o Brasil, enquanto os demais consumidores latino-americanos têm a percepção de que seu país sofrerá mais que os outros.Segundo a pesquisa, 80% acreditam que a crise pode trazer algum impacto para a família e 61% já adiaram alguns planos por precaução e estão observando o mercado.
Quem tem medo do “Lobo-Mau?”
Para o setor de informática o momento continua a ser mesmo buscar o cliente com foco em networking, follow-up e CRM. O medo se combate com informação, preços e prazos justos e prestação de serviços. O Brasil preparou-se bem para enfrentar um momento como este. Fez mais ou menos como o porquinho Prático do conto de fadas. E o momento é bem parecido com a estória dos Três Porquinhos que já era contada bem antes do Século XVIII.
Para quem nunca ouviu ou não lembra mais é bom recordar um pouco deste conto (que também tem uma interpretação corporativa) e se parece muito com o que passam algumas empresas hoje. Os personagens do conto são três porquinhos-O Prático, Heitor e Cícero – e um certo lobo-mau (alguma coisa parecida com esta crise?), cujo objetivo era devorar os porquinhos. Eles recebem uma grana extra de sua mãe para assim poderem construir as suas casas. Cícero, o mais preguiçoso, construiu uma cabana de palha. Heitor, fez uma cabana de madeira, mas o Prático optou por construir uma casa melhor estruturada, com cimento e tijolos. Como a sua casa demorou mais tempo para ser construída, o Prático, muitas vezes, assistia os irmãos divertindo-se e gastando o dinheiro que sobrou enquanto lutava sozinho terminar a casa.Um dia o lobo-mau apareceu e com um assopro, desmanchou a casa. Cícero fugiu. O lobo-mau foi bater à porta de Heitor e, com dois assopros, destruiu também a cabana de madeira.
Os dois fugiram para a casa do Prático. O lobo-mau então foi à casa do Prático e tentou derrubá-la, mas não conseguiu, pois era feita de tijolos bem assentados e tentou entrar na casa descendo pela chaminé, mas começou a sentir cheiro de queimado. O Prático colocou com uma panela de água fervente na base da chaminé e queimou o traseiro do lobo-mau que desapareceu e nunca mais voltou.
Sexta-feira, meu amigo ligou e perguntou qual dos três porquinhos eu seria na estória. Disse que, apesar de estar um pouco acima do peso, acreditava ser o Prático, mas que por via das dúvidas havia reforçado a casa. Ele riu e brincou: “- Quem tem medo do Lobo-Mau?”
Neste momento seja prático, vá à luta, busque o cliente, reforce suas ações! O Natal será bom se não parar de lutar. Ou você tem medo de Lobo-Mau?