Motoboys: Pesquisa mergulha no universo destes profissionais.
Atraído pelo fácil ingresso no mercado de trabalho, Marcos Cardoso apostou na profissão de motoboy há cerca de dez anos. Apesar da rotina estressante, característica do trânsito, ele admite que as maiores dificuldades estão em lidar com os demais usuários e, em alguns casos, decifrar a sinalização nas vias públicas – problema enfrentado por todos os usuários das vias, inclusive pedestres. “Com o Sindimoto/SP, muita coisa melhorou ao longo dos anos, como o salário fixo, que antes não tínhamos, e o aluguel de motos. Mas, ainda faltam políticas públicas”, pondera. Ainda assim, ele permanece irredutível: “O que mais me deixa com brilho nos olhos é, sem dúvida, a liberdade que tenho com essa profissão”.
Comum em usuários de moto de maneira geral, este espírito aventureiro, aliado ao formato do veículo – que é mais frágil e de visualização mais difícil por parte dos outros motoristas – , à pouca preocupação com a formação adequada de motociclistas e ao comportamento de risco por causa da pressa, podem acabar aumentando a exposição dos motociclistas aos perigos das vias urbanas. Dados da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) comprovam que, das 42.226 mortes provocadas por acidentes de trânsito em 2013, 28% envolveram motocicletas, ao passo que 60% das 170.805 internações no período tiveram participação do mesmo grupo. Em paralelo ao levantamento, estudo coordenado pela Abraciclo atribui os altos índices de mortalidade entre condutores de moto ao comportamento de risco adotado pelos próprios usuários. “É importante conduzir o veículo com a manutenção em ordem, usar equipamentos de segurança e respeitar a legislação de trânsito e os limites de velocidade”, recomenda o presidente da entidade, Marcos Fermanian.
Em contrapartida, embora estejam vulneráveis aos riscos das ruas, os motoboys estiveram à frente de apenas 23% dos acidentes envolvendo motociclistas avaliados pelos pesquisadores, cenário que, para Fermanian, se justifica pela experiência e qualificação da classe. Neste sentido, a Lei 12.009/09 – que regulamentou a profissão e passou a exigir qualificação por meio de um curso teórico/prático para obtenção de autorização para exercer a atividade (Condumoto) -,pode ter abrandado as estatísticas. “Com a lei, o motofretista passou a ter acesso a benefícios trabalhistas antes indisponíveis e sua atividade, que sempre exerceu papel importante, saiu da marginalidade”, afirma.
O incentivo da regularização, no entanto, mostra-se insuficiente diante do alto número de profissionais que optam por atuar por conta própria. Conforme o Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo (Sindimoto/SP), entre os cerca de 220 mil motoboys ativos na cidade de São Paulo, apenas 10% estão regularizados com registro. “Precisamos trazer mais profissionais para a legalidade, mostrando a eles os benefícios de se andar dentro da lei”, endossa Fermanian, que salienta ainda a importância de uma fiscalização mais severa e do aprimoramento do processo de formação dos motociclistas.
O presidente do Sindimoto/SP, Gilberto dos Santos, por sua vez, acredita que a categoria, essencial por absorver mão de obra de segmentos que estão demitindo atualmente, alcançou conquistas expressivas nos últimos anos. “Ganhamos o adicional de periculosidade, que aumentou em 30% o salário da categoria, e o reconhecimento da profissão pelo Ministério do Trabalho qualificou a mão de obra e mobilizou a sociedade para olhar os motoboys como pais de família”, salienta.
Ao lado do risco de acidentes, discriminação faz parte da rotina
Há nove anos no ramo por paixão à liberdade da vida sobre duas rodas, Gleice Kelly Bonate, trabalha em uma multinacional com a entrega de malotes de documentos. “É mais do que uma profissão, é o que amo e sei fazer. Sou apaixonada pela liberdade de conhecer novos lugares e estar nas ruas, muitas vezes mais perto da natureza”, garante. Entre os obstáculos próprios ao ofício, ela menciona o preconceito, que neste caso não se associa ao gênero, mas parece enraizado à natureza da profissão. “Sou até mais protegida por ser mulher, o que me faz acreditar que o preconceito é contra a categoria, olhada com certo desprezo. Já sofri ameaça de motorista ao me desculpar por ter acertado o retrovisor com o baú da minha moto”, conta.
Para a socióloga e mestre em Linguística, Júlia Lucca, o preconceito enfrentado pelos motoboys tem origem tanto na maneira pela qual as cidades são compreendidas, como na consciência que os profissionais têm de si mesmos. “São cidades imaginadas para automóveis, onde motoboy e sua moto não teriam lugar. Em São Paulo, por exemplo, há uma luta pela construção de motofaixas, mas não teríamos condições de criar faixas exclusivas para todos os tipos de transporte nas vias urbanas”, ressalva. Para ela, a existência de um cenário mais democrático no trânsito depende, sobretudo, do investimento em educação. “Precisamos aprender a conviver com o diferente e a respeitar as particularidades de cada meio de transporte”, conclui.
Com informações da Assessoria de Imprensa da Perkons