O fator humano e o limite do motor – amaciando motores
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Um dia me chega um cliente com uma moto cheia de problemas. Carenagem quebrada por conta de excesso de peso e motor com pistão batendo saia (com folga). A moto estava na garantia, mas antes de elaborarmos os trâmites a gente precisava ver o que tinha acontecido. Depois de verificar e pedir uma terceira opinião chegamos à conclusão de que não se tratava de garantia e sim de uso da moto em situação extrema a que era coberta pela garantia.
A primeira reação do cliente foi reclamar e muito. Negou tudo que poderia ter acontecido. Na realidade, por obra do encantamento ou de alguma abdução mecânica, o motor resolveu fazer barulhos estranhos. Para minimizar o impacto e ter todas as respostas eu sempre chamo toda a equipe que teve contato com o motor em questão e conversamos abertamente com o cliente sobre o problema e as possíveis causas. Gosto desta transparência. Sempre termina bem.
Alguns admitem que, para economizar, trocaram o óleo ou fizeram algum reparo em outra oficina que não a credenciada; outros admitem que andaram arregaçando a moto ao limite e por ai vai. De qualquer modo, eu prefiro mil vezes que o cliente esteja certo e que minha avaliação esteja errada, pois dar más notícias é algo ruim para quem recebe e bem pior para quem as dá.
Mas este prólogo tem uma razão: Brasileiros gostam de dar tudo que a moto pode e mais um pouquinho. Basta ver a quantidade de motos rodando com mais de duas pessoas e em situações completamente adversas e diferentes para as que foram originalmente projetadas. Os famosos zerinhos, os ‘estoura-pneus’, reduzidas absurdas que chegam ao ponto de travar o pneu e por aí vai.
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Antes que vocês comecem a jogar pedra em mim eu vou explicar que já vi, algumas vezes, motos grandes em processo ainda de amaciamento serem tratadas como motos em condição de corrida com a desculpa de que: “Se o motor não prestar ele quebra antes! E se quebrar está na garantia!” Mas não é bem assim. Todo motor precisa ser amaciado e isso é fundamental para que tenha saúde para rodar tranquilo e, mesmo quando exigido, ele suporte a carga.
Não existe motor indestrutível, senão não haveria aquela faixa vermelha no conta-giros. Para quem não sabe aquela faixa vermelha não quer dizer que a moto está voando, amigo. Significa que o motor entrou numa faixa de desgaste e risco e que, se você ficar no vermelho por muito tempo, algum dano irreversível vai ocorrer.
Problemas de fabricação em motores acontecem logo em seguida que a moto é ativada. Bastam poucos quilômetros para que eles apareçam; salvo raríssimas exceções cujo problema é algo tão pequeno e lento que só saberemos com o tempo (é o que se chama de vício oculto e pode ocorrer mesmo depois de expirada a garantia).
Existem ainda os problemas que podem gerar um aviso de recall. Quando três motos aparecem com o mesmo problema no motor ou câmbio e pela sequência do número de chassis e data de fabricação, percebemos que há uma possibilidade de falha no lote. Imediatamente a fábrica é avisada e na maioria das vezes alguma providência é tomada.
Para descobrir se é garantia ou não eu peço para avaliar o motor criteriosamente e tudo é fotografado durante o desmonte. O que encontramos de estranho ou fora do padrão deixamos registrado ainda no momento da desmontagem. Dificilmente um motor apresenta problemas em apenas uma parte dele, por isso adotamos este procedimento.
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Não existe um motivo apenas que faz com que um motor venha a apresentar defeito. A não ser em apenas um caso – rodar sem óleo de propósito – e este motivo eu ainda não vi. Na realidade você pode listar várias situações isoladas ou conjugadas que podem fazer com que um motor venha a fumar, trelar, bater saia ou travar. Porém, em todas elas, o fator humano estará presente e, este, é o pior de ser detectado ou assumido.
Em tudo há limites e motores não estão fora disso. Essa de achar que motor bom é o que não se acaba não existe. Um dia ele vai acabar, mas ele pode durar muito mais se você cuidar bem dele. Um passo importante para que isto venha a acontecer é ler o manual da moto e decorar os limites do conjunto que você comprou. Pilotar não é apenas acelerar e fazer curvas de forma agressiva e arrojada. Ser piloto é fazer tudo isso, ser rápido inclusive, e ainda poupar o conjunto.
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Muitos pilotos ficaram conhecidos por ganharem corridas esperando a quebra de outros carros que andavam sempre no limite. O Emerson Fittipaldi era um deles. O Piquet também sabia tirar isso de um motor e o Senna fez isso e chegou a ganhar provas apenas com a sexta marcha e em outra sem freio nenhum. Apesar de serem talentosos nada impede que você aproveite algumas dicas desses monstros sagrados.
Saber lidar com o equipamento e respeitar limites vai ajudar a evitar muitos dissabores quando necessitar fazer uso do seu direito de garantia.
Cuidar da moto não se limita apenas a lavar, fazer as revisões, dar manutenção preventiva e corretiva, mas, principalmente saber respeitar os limites do motor e isto é ser também um bom piloto.
A gente se vê na estrada!